Muitos casais escolhem o regime de separação total de bens acreditando que, em caso de divórcio, não haverá qualquer direito sobre o patrimônio adquirido durante o casamento. No entanto, essa percepção não é totalmente correta. Em determinadas situações, os tribunais brasileiros reconhecem a possibilidade de divisão dos bens, mesmo sob esse regime. É difícil? Sim. Mas é possível.

Hoje em dia, é cada vez mais comum que os casamentos sejam firmados sob o regime de separação total de bens — e, em muitos casos, essa condição é imposta como requisito para a união. Há um temor, especialmente entre os cônjuges que acumulam mais patrimônio (geralmente o homem), de que um eventual fim do casamento resulte na partilha de bens arduamente conquistados. Por isso, é comum o uso de instrumentos jurídicos como holdings, acordos de acionistas e pactos antenupciais, todos válidos, para proteger o acervo patrimonial.
Contudo, esse regime também traz desvantagens. Uma situação recorrente ocorre quando uma das partes, frequentemente a mulher, dedica-se mais ao lar, aos filhos e ao apoio à carreira do outro cônjuge, o que a impede de construir patrimônio próprio. Com o fim do relacionamento, essa pessoa pode sair profundamente prejudicada.
É aí que entra um princípio fundamental do Código Civil: a vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884). Essa norma impede que alguém se beneficie injustamente do esforço de outra pessoa — inclusive dentro do casamento.
Embora a separação total de bens seja juridicamente válida e, via de regra, afaste a comunicabilidade do patrimônio, os tribunais têm reconhecido exceções. Se houver prova concreta de que houve contribuição direta — seja financeira, seja por meio de trabalho — para a construção do patrimônio, é possível pleitear parte dos bens. Mas atenção: no regime da separação, esse esforço comum não se presume. A simples dedicação à casa e à família, por mais valorosa que seja, não basta. É necessário comprovar participação efetiva na geração ou na manutenção do patrimônio.
As situações em que há maior chance de reconhecimento judicial do direito à partilha envolvem, por exemplo, atividades empresariais exercidas conjuntamente ou aquisição de bens com recursos compartilhados. A jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem se mostrado favorável quando há evidência robusta de colaboração entre os cônjuges, conforme os exemplos que seguem:
1. Atuação conjunta na empresa do cônjuge:
“A apelante passou a trabalhar em tempo integral na empresa do marido, exercendo funções de gerência, e no mesmo período o casal adquiriu considerável patrimônio. Assim, nos termos da Súmula 377 do STF, os bens devem ser partilhados.”
(STJ – AgInt no REsp 1765007/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 29/03/2021)
2. Comprovação de trabalho e colaboração financeira:
“A cônjuge trabalhou por anos na empresa do marido e também exercia atividade própria, cuja renda contribuiu para a aquisição do patrimônio comum. Diante disso, é devida a partilha dos bens adquiridos durante a convivência.”
(STJ – REsp 1618278/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, pub. 17/02/2023)
3. Aquisição de bem com patrimônio comum sob regime de separação:
“Foi reconhecido o direito à meação sobre imóvel adquirido com cabeças de gado pertencentes ao casal, caracterizando esforço comum e sociedade de fato.”
(REsp 286.514/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr., j. 02/08/2007)
Apesar dessas decisões, o caminho é árduo. A existência de cláusulas no pacto antenupcial que excluem expressamente qualquer forma de esforço comum dificulta ainda mais o reconhecimento do direito à meação. Mas, mesmo nesses casos, a jurisprudência admite exceções quando se comprova, de forma inequívoca, que houve colaboração para a aquisição do bem, a ponto de caracterizar uma sociedade de fato.
Por outro lado, quando não há prova concreta de contribuição direta, o pedido de partilha costuma ser negado. Veja:
“No regime de separação absoluta de bens, atividades domésticas e cuidados com os filhos, por si sós, não configuram esforço comum que justifique a partilha de bens. É necessária prova de contribuição direta para a aquisição do patrimônio.”
(TJSP – AC 1002164-14.2020.8.26.0100, Rel. Des. Marcus Vinicius Rios Gonçalves, j. 06/04/2021)
Vale destacar que o mesmo raciocínio se aplica às uniões estáveis pactuadas com separação total de bens. Já nos casos de separação obrigatória (como ocorre com pessoas acima de 70 anos), o cenário é diferente, pois a imposição do regime é legal, e não fruto da vontade do casal — tema que merece análise específica.
Em resumo, quem se casou acreditando que a separação de bens garantiria autonomia total sobre o patrimônio, mas ao longo do casamento atuou junto com o cônjuge para construir riqueza, pode sim buscar o reconhecimento de sua participação. É necessário, contudo, estar ciente de que esse é um direito de difícil comprovação e que depende de provas robustas — mas, ainda assim, representa uma via legítima para evitar injustiças flagrantes.
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