Brasil - O surf e o skate estrearam nas Olimpíadas em Tóquio, em 2021, e transformaram rapidamente o Brasil numa potência esportiva nessas modalidades. Mas, longe das câmeras, existe um movimento silencioso ajudando a explicar esse desempenho: a ciência brasileira está começando a decifrar as demandas físicas desses esportes — e isso pode mudar o nível de competitividade do país nos próximos ciclos olímpicos.

Nas últimas semanas, o Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (Cefid), da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), recebeu alguns dos principais nomes do esporte brasileiro para uma bateria de testes conduzida pelo Laboratório de Pesquisas em Desempenho Humano (Lapedh). Passaram por lá o campeão mundial de surf Yago Dora, nascido em Curitiba, os surfistas da elite Alejo Muniz, Miguel Pupo e Samuel Pupo, além do tenista Rafael Matos, top 60 do ranking mundial de duplas da ATP.

Do laboratório para o mar: quando a ciência entra em cena

Os testes realizados pelo Lapedh envolvem desde densitometria (DEXA), que avalia composição corporal e saúde óssea, até análises minuciosas de força, potência, equilíbrio entre membros e protocolos específicos de esforço.

Entre surfistas, o foco se volta especialmente para a remada, gesto motor decisivo em competições de alto nível. Para o tenista Rafael Matos, foram aplicados testes de sprints repetidos e avaliações de potência e estabilidade, essenciais para o rendimento em quadra.

Segundo o professor e pesquisador Fabrizio Caputo, responsável por articular a presença dos atletas, o objetivo é claro: transformar dados em intervenção prática, e não apenas “avaliar por avaliar”. A proximidade com fisioterapeutas e preparadores físicos dos atletas permite que as informações levantadas sejam imediatamente incorporadas aos treinos de pré-temporada.

Um novo capítulo para o “Brazilian Storm”

A presença constante de surfistas brasileiros entre os melhores do mundo — oito títulos desde 2014 — não é fruto apenas de talento. É uma construção de longo prazo que agora se fortalece com a entrada mais robusta da ciência no processo de preparação esportiva.

Yago Dora, recém-coroado campeão mundial da WSL, esteve no laboratório dias após o fim da temporada, já mirando a defesa do título em 2026. Alejo Muniz participou da avaliação no momento em que finalizava a recuperação de uma cirurgia no ombro, etapa crítica para retorno seguro às competições.

Treinar novos esportes exige novos dados

Embora surf e skate estejam ganhando protagonismo mundial, ambas as modalidades ainda carecem de uma base científica sólida para orientar treinamentos e recomendações — algo que esportes tradicionais já possuem há décadas.

Esse é justamente o foco atual da Udesc: construir conhecimento para entender as demandas físicas reais dessas práticas e criar ferramentas que possam ser adotadas por atletas em formação e pela elite mundial.

“É uma oportunidade científica e esportiva”, explica Caputo. “O Brasil tem atletas de ponta nessas modalidades. Agora estamos criando, aqui, a ciência que acompanha esse talento.”

Um laboratório que também forma pesquisadores

As avaliações envolveram pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação, ampliando a experiência prática da próxima geração de profissionais que irão atuar em ciência do esporte. Para Caputo, essa é outra dimensão importante do trabalho: desenvolver expertise nacional para esportes que só agora entram no radar acadêmico global.

O laboratório, ligado ao Grupo de Pesquisa em Desempenho Humano da Udesc, historicamente estudou modalidades de quadra, campo e esportes cíclicos. Mas o foco em surf e skate abre uma nova frente de pesquisa para os próximos anos,  especialmente com a preparação para Paris 2024, Los Angeles 2028 e futuros ciclos olímpicos.