Uma demonstração de solidariedade marcou a noite de terça-feira (23), considerada a mais fria do ano até agora em Curitiba, com temperatura de dois graus centígrados. Pessoas de todos os cantos da cidade foram à Praça Tiradentes levar agasalhos, cobertores e calçados para serem doados, principalmente a moradores de rua, carrinheiros e trabalhadores do período noturno.
O movimento, que começou com uma convocação nas redes sociais, fez eco em crianças, jovens, donas de casas, profissionais e pessoas das mais diversas camadas sociais. Atingiu o curitibano que, apesar de estar acostumado com baixas temperaturas, sabe do sofrimento que o frio causa, principalmente nos mais vulneráveis. “Não tem preço. Gestos como esse aquecem pessoas e o coração”, disse Gerson Guelmann, superintendente do Instituto Pró-Cidadania de Curitiba (IPCC), que ajudou a gerenciar o processo de doação e entrega dos donativos.
Todas as roupas e calçados que chegavam eram imediatamente separadas por número e gênero (feminino e masculino). Voluntários trabalharam com rapidez. “Isso está parecendo um shopping”, disse Carlos André, que vive nas ruas há nove anos. “Além de cobertas, agasalhos e até luvas, estou levando um tênis do meu número”, contou.
Eliane Biazetto chegou, depositou a doação e saiu com um sorriso nos lábios. “Quem consegue dormir numa noite destas, em que a sensação térmica é de menos seis graus, sabendo que tem muita gente que precisa?”, questionou. “Vim aqui porque sei da lisura da Prefeitura de Curitiba, envolvida neste movimento espontâneo. A doação é repassada imediatamente”, disse ela.
Duas kombis do IPCC e um micro-ônibus da Guarda Municipal ficaram cheios de doações em menos de duas horas. “Estamos recebendo muitas doações de produtos novos. Pessoas que estão saindo do trabalho, passando em lojas e adquirindo roupas e cobertores”, disse Maria Eulália Ribeiro e Souza. Segundo ela, é a primeira vez, em 76 anos de vida, que foi para a rua ajudar. ”Já fiz de tudo nesta vida. Faltava essa solidariedade. Minha neta me mostrou no computador a convocação e senti que precisava estar aqui. Faltava essa experiência na minha vida”, disse ela.
Maria Baptista, 56 anos, chegou nesta terça-feira a Curitiba, vinda do interior do Estado. Sua casa queimou e ela ficou sem saber para onde ir. Decidiu pela capital, mas não contava com o frio. “Vim só de camiseta. Pensei que seria minha última noite viva. Mas andando sem rumo vim parar aqui. É uma benção. Já rezei nas escadarias dessa igreja (a Catedral) para que Deus abra o caminho do céu para cada uma destas pessoas que estão aqui nesta noite”, disse ela, depois de ganhar calças grossas, meias, blusa de lã, luvas, gorro, dois cobertores e um edredon.
Julio César, 15 anos, morador de rua, veio de Foz do Iguaçu. “É a primeira vez que recebo tanta coisa. Ainda escolhi o que queria. Vou dormir tranquilo”, disse.
Plano emergencial
A Prefeitura de Curitiba, por meio da Fundação de Ação Social (FAS), colocou em prática um plano emergencial de atendimento à população em situação de rua.
Foram 100 novas vagas na Central de Resgate Social (Rua Conselheiro Laurindo, 793, Centro) e 20 na Casa de acolhimento Rockfeller (Rua Rockfeller, 1177, Rebouças). Também estão preparados acolhimentos emergenciais em outros equipamentos: 50 leitos no Centro POP João Dorvalino Borba (Av. Visconde de Guarapuava, 2674, Centro), 70 vagas no Centro de Esporte e Lazer Plínio Tourinho (Rua Engenheiros Rebouças, s/nº, Jardim Botânico), 60 leitos no futuro Centro POP Boqueirão (Rua Padre Dehon, 2968, Boqueirão), e, se necessário, outros 50 leitos na Rua da Cidadania da Regional do Pinheirinho (Av. Winston Churchill, 2033, Pinheirinho).
Ao todo, a Prefeitura de Curitiba têm disponível para a população em situação de rua 1.005 vagas de abrigamento, distribuídas entre equipamentos municipais (730 vagas) e conveniados (275). Em todos os equipamentos, serão ofertadas refeições quentes no jantar e café da manhã e, se necessário, almoço.
Busca ativa
Equipes dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) estão fazendo abordagem social por busca ativa nas nove regionais de Curitiba até as 23 horas, horário médio de acomodação e definição de espaços de pernoite na rua. A partir deste horário, atenderão solicitações recebidas por meio do 156, com encaminhamento para os locais de acolhimento. As equipes da FAS contam com o reforço e trabalho em conjunto de ONGs e entidades de distribuição de alimentos, agasalhos e cobertores, que tradicionalmente atuam com a população de rua, formando uma rede de atendimento em todo o município. A intenção é convencer e encaminhar o maior número possível de pessoas aos abrigos, alertando para o risco de hipotermia, doenças decorrentes do frio e violência nas ruas.