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A cena registrada pelas câmeras de segurança de um edifício em Curitiba chocou a opinião pública e rapidamente ganhou as manchetes dos jornais e portais de notícia. No vídeo, amplamente divulgado pela imprensa local, uma idosa aparece agredindo seu vizinho, também idoso, com o cabo de um guarda-chuva. A vítima, surpreendida e sem chances de defesa, chega a cair no chão. De acordo com o portal RIC Mais, a agressão ocorreu durante uma discussão na área comum do condomínio, motivada por desentendimentos antigos entre os vizinhos. A mulher foi flagrada golpeando a cabeça e o corpo do homem com violência e, embora socorrido, ele ficou com ferimentos visíveis. O caso causou indignação em diversos setores da sociedade, não apenas pelo ato em si, mas pelo fato de envolver duas pessoas idosas, grupo que merece especial atenção e proteção legal. O episódio levanta importantes reflexões no campo do Direito Penal, sobretudo no que se refere à tipificação da conduta, às implicações da idade das partes envolvidas e ao instituto da prescrição penal reduzida.

A conduta observada no vídeo pode ser classificada, em termos jurídicos, como lesão corporal, prevista no artigo 129 do Código Penal. Este dispositivo dispõe que ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem é crime, com pena de detenção de três meses a um ano no caso de lesão leve. Se for constatada lesão de natureza grave, como incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, a pena pode ser aumentada para até cinco anos. A depender da gravidade dos ferimentos da vítima, a agressora poderá ser denunciada tanto pelo caput quanto por um dos parágrafos agravantes do referido artigo. Ainda que o instrumento utilizado seja um guarda-chuva, se o objeto causar lesão com dolo ou com potencial ofensivo, isso basta para configurar a tipicidade penal.

Entretanto, este não é um caso comum. A vítima é uma pessoa idosa e isso muda a perspectiva da análise jurídica. O Estatuto do Idoso, em seu artigo 99, prevê que é crime expor a perigo a integridade e a saúde física ou psíquica do idoso, sujeitando o infrator à pena de detenção de dois meses a um ano, além de multa. Já o artigo 115 estabelece que, em crimes cometidos contra idosos, os prazos de prescrição serão contados pela metade. Tal previsão visa garantir maior celeridade na resposta penal quando a vítima pertence a esse grupo vulnerável, reconhecendo sua condição especial e a urgência na tutela de seus direitos. Assim, mesmo que a pena máxima cominada ao crime seja de dois anos, por exemplo, a prescrição, que normalmente ocorreria em quatro anos, passa a se dar em dois anos. É o que determina também o artigo 115 do Código Penal, aplicado subsidiariamente.

Do ponto de vista da acusação, a Promotoria poderá requerer a abertura de inquérito para apurar os fatos, baseando-se nas imagens e no depoimento da vítima. A defesa, por sua vez, poderá alegar ausência de dolo, excludente de ilicitude por emoção ou violenta emoção, ou ainda tentativa de desclassificação para vias de fato, prevista no artigo 21 da Lei das Contravenções Penais, cuja pena é de quinze dias a três meses. Ainda assim, a existência de vídeo, a gravidade das lesões e a repercussão pública do fato indicam que dificilmente a conduta passará sem uma resposta penal. Caso haja condenação, a pena poderá ser convertida em restritivas de direito, como prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana, conforme autoriza a Lei 9.714/98.

O caso traz à tona a necessidade de se compreender o funcionamento das normas penais em relação às pessoas idosas, tanto como vítimas quanto como acusadas. É possível que a defesa da agressora alegue idade avançada e eventuais transtornos mentais para atenuar a culpabilidade, nos termos do artigo 65, inciso I, do Código Penal, ou mesmo para pleitear prisão domiciliar nos moldes do artigo 318 do Código de Processo Penal. Esse artigo permite a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar para maiores de 80 anos, ou para os que comprovarem estar acometidos por doença grave. Além disso, o artigo 317 do CPP conceitua prisão domiciliar como o recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.

Transcrevemos aqui os principais dispositivos legais aplicáveis: o artigo 129 do Código Penal, que trata da lesão corporal: “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: pena de detenção de três meses a um ano”. O artigo 115 do Código Penal: “São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 anos, ou maior de 70 anos” — dispositivo que, por analogia, é utilizado também em benefício da vítima idosa. O artigo 99 do Estatuto do Idoso, que estabelece: “Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, sujeitando-o a condições desumanas ou degradantes, ou privando-o de cuidados indispensáveis: pena de detenção de dois meses a um ano e multa”.

Em síntese, o episódio da agressão com o guarda-chuva é um exemplo didático para demonstrar a aplicação prática do Direito Penal e Processual Penal brasileiro. Envolve a análise de provas, tipificação penal, agravantes legais, prescrição e as particularidades processuais quando envolvem vítimas idosas. Ao mesmo tempo, demonstra como o Direito deve ser interpretado à luz dos princípios da proporcionalidade, dignidade humana, e efetividade da tutela penal. A depender do desdobramento do caso, poderemos ter um processo judicial que trará importantes precedentes sobre a aplicação de penas em crimes cometidos por e contra idosos, além de levantar o debate sobre como o Judiciário deve lidar com situações conflituosas entre vizinhos idosos em tempos de crescente envelhecimento populacional.