O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta quarta-feira (3) que apenas o chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR) está apto a pedir o impeachment de ministro do STF por crime de responsabilidade. Mendes suspendeu diversos artigos da Lei do Impeachment (nº 1.079/1950), em especial o que dava a “todo cidadão” a prerrogativa de pedir o afastamento de magistrados. A decisão será levada a referendo do plenário do STF, em julgamento virtual marcado entre os dias 12 e 19 de dezembro.

Segundo Gilmar, vários trechos da legislação de 1950 não foram recepcionados pela Constituição. Entre eles estão o quórum necessário para a abertura de processo de impeachment contra ministros do STF, a legitimidade para apresentação de denúncias e a possibilidade de se interpretar o mérito de decisões judiciais como conduta típica de crime de responsabilidade.
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Em sua decisão, o decano fez um histórico do instituto do impeachment e de seu papel no equilíbrio entre os Poderes para evitar abusos. Segundo ele, hoje este “instrumento não pode ser usado como forma de intimidação, sob pena de gerar insegurança jurídica e pressionar juízes a atuar de forma parcial ou alinhada a interesses políticos”.
“A intimidação do Poder Judiciário por meio do impeachment abusivo cria um ambiente de insegurança jurídica, buscando o enfraquecimento desse poder, o que, ao final, pode abalar a sua capacidade de atuação firme e independente”, afirmou o ministro Gilmar Mendes.
A decisão foi tomada no âmbito de duas ações que questionam a compatibilidade de diferentes trechos da Lei de Impeachment com a Constituição de 1988, uma aberta pelo Solidariedade e outra pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Gilmar Mendes é o relator do caso.
Impeachment de ministro do STF é papel do Senado
A Constituição prevê que cabe ao Senado Federal processar e julgar ministros do Supremo no caso de eventuais crimes de responsabilidade, mas não trata da possibilidade de impeachment dos magistrados. O tema é abordado na Lei 1.079/1950, a Lei de Impeachment, que regulamenta o assunto.
Pela legislação, comete crime de responsabilidade o ministro que:
- Altera, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;
- Profere julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
- Exerça atividade político-partidária;
- Seja patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
- Proceda de modo incompatível com a honra dignidade e decôro de suas funções.
“É permitido a todo cidadão denunciar perante o Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador Geral da República, pelos crimes de responsabilidade que cometerem”, diz o trecho da lei que foi suspenso nesta quarta.
Lei do impeachment é ampla e vaga, diz o ministro
Para Gilmar Mendes, a Lei do Impeachment é excessivamente ampla e vaga, servindo a processos de intimidação do Judiciário, pois “os juízes, temendo represálias, podem se ver pressionados a adotar posturas mais alinhadas aos interesses políticos momentâneos, em vez de garantirem a interpretação imparcial da Constituição e a preservação dos direitos fundamentais”.
Para Mendes, aquilo que era para ser um “instrumento legítimo e excepcional” para responsabilizar ministros do Supremo acabou se tornando “ferramenta de intimidação e mitigação das garantias judiciais, submetendo os membros do Poder Judiciário à aprovação de caráter político”, escreveu na decisão.
Criminalização da interpretação jurídica
O ministro também entendeu que não é possível responsabilizar ou instaurar processo de impeachment contra magistrados com base apenas no mérito de suas decisões, o que configuraria criminalização da interpretação jurídica, prática inadmissível, conforme jurisprudência consolidada do STF.
“Não se mostra possível instaurar processo de impeachment contra membros do Poder Judiciário com base – direta ou indireta – no estrito mérito de suas decisões, na medida em que a divergência interpretativa se revela expressão legítima da autonomia judicial e da própria dinâmica constitucional”, disse.
O relator acompanhou ainda o parecer da Procuradoria-Geral da República que defendeu a não recepção dos artigos referentes ao afastamento temporário de ministros. O PGR destacou que, ao contrário do presidente da República, um ministro do Supremo não tem substituto, e sua ausência pode comprometer o funcionamento do tribunal.
Quórum inadequado
Outro ponto derrubado pelo ministro é o quórum necessário para a abertura do processo de impeachment. Hoje, a lei prevê maioria simples. Para os autores das ações, essa previsão permitiria que apenas 21 senadores abrissem processo contra ministros do STF, número inferior ao exigido para aprovar a indicação de um ministro para a Corte.
Para o ministro Gilmar Mendes, o quórum reduzido atinge diretamente garantias constitucionais da magistratura, como a vitaliciedade e a inamovibilidade, enfraquecendo a autonomia do Judiciário e a legitimidade de suas decisões.
O decano decidiu que o quórum de dois terços seria o mais adequado, por proteger a imparcialidade e a independência do Judiciário e por ser coerente com o desenho constitucional do processo de impeachment.
*Com informações da Agência Brasil e do STF
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