Paranaense de 15 anos passa em medicina na Federal. (Foto: Reprodução/Facebook)

Ela gabaritou 10 das 14 questões da segunda fase do vestibular da UFPR; Natãmy Nakano começou a ler aos dois anos

A jovem Natãmy Nakano, de apenas 15 anos, irá cursar medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR) a partir de fevereiro deste ano. A curitibana que vive em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, tem dupla excepcionalidade – é superdotada e autista.

Aprendeu a ler com facilidade

Andréia Pichorim, mãe de Natãmy, conta que os diagnósticos foram feitos aos nove e 13 anos. Mas a menina que é portadora TEA leve (Transtorno do Espectro do Autismo), aos dois anos, já mostrava que era muito especial, pois aprendeu a ler e já falar com facilidade.“Ela teve incompatibilidade ABO [incompatibilidade de grupo sanguíneo materno-fetal]  ao nascer e foi indicação médica a estimulação para melhorar o desenvolvimento, eu utilizei o livro ‘Como Ensinar seu Bebê a Ler’ e isso ajudou muito, além da interação e estímulos contínuos”, disse.

Da infância à adolescência, ela continuou se destacando pela inteligência. “Nas escolas do ensino fundamental ela era a melhor aluna”, lembra a mãe. Ainda criança, aos 9 anos, Natãmy participou do Programa ‘Os Incríveis’, exibido no canal Fox, que selecionou as 20 mentes mais brilhantes do Brasil para uma competição de habilidades.

No ensino médio, cursado na UFPR, mais uma vez ela estava entre os melhores do Curso Técnico em Petróleo e Gás. “Dos 30 alunos que entraram, só sete se formaram em três anos, que era o tempo previsto e Natãmy estava entre eles”, falou a mãe.

Vestibular de medicina

Natãmy conseguiu uma vaga no curso mais concorrido da instituição depois de passar para a segunda fase do vestibular da UFPR e gabaritar 10 das 14 questões. Porém, essa não é sua primeira conquista no campo dos vestibulares, com 13 anos ela também passou no vestibular de engenharia de bioprocesso na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), mas não cursou porque não era o que ela realmente queria.

“A minha mãe fala que desde que eu tinha dois anos, eu falo que quero ser médica. E desde que eu me entendo por gente é isso mesmo. Eu até pensei por um tempo em fazer engenharia, mas eu voltei para medicina porque é isso mesmo que eu quero. Acho que o principal motivo de eu querer medicina é pelo interesse que eu tenho em estudar os seres humanos”, declarou a adolescente.

Banho de lama no resultado do vestibular da UFP. (Foto: Reprodução/Facebook)

Ela conta que não estudou especificamente para passar em medicina e no geral estudou muito, mas pensando apenas que queria passar em medicina e também no curso de ensino médio que faz na Universidade Federal do Paraná. O Curso Técnico em Petróleo e Gás é o único curso de ensino médio ofertado pela UFPR e sua nota no ENEM está entre as melhores do país.

“Por isso, eu escolhi fazer o ensino médio lá. Sabendo que com esse curso eu teria uma boa vantagem para passar no vestibular. E foi isso que aconteceu”. Além do técnico, em 2018, a jovem também resolveu cursar uma matéria da graduação de química – bioquímica – e costumava passar o dia todo estudando. “Eu chegava às 7h da manhã e costuma sair bem tarde, 17h, 18h e até às 19”, lembrou Natãmy.

Desafios na escolarização

Ainda conforme Andréia, o brilhantismo da filha não exclui a presença de grandes obstáculos na vida das duas, os contratempos, porém, foram vencidos sempre com muita paciência, compreensão e amor “Vi uma matéria que dizia: O cansaço de uma mãe com filho autista se compara a um soldado no campo de batalha. Quando temos uma criança normal precisamos ensinar umas cinco vezes, com autista umas 15 vezes. Exige dedicação e entrega total”.

“A Natãmy é uma benção, fruto de muito trabalho e dedicação, sou ‘pãe’ 24 horas, e ainda vou ser por um bom tempo. Entre muitas coisas, ainda levo e busco na faculdade, pois ela passa mal andando de ônibus, levo pra almoçar, comprar roupas e aguento as reclamações, além de tentar acalmar e incentivar no dia a dia”, conta Andréia que é separada do pai da filha há anos e cuida da garota sozinha.

Andreia e Natãmy em uma foto porstada nas redes sociais. (Foto: Reprodução/Facebook)
Inteligência x isolamento social

Na escola, a menina também enfrentou algumas dificuldades, tanto no campo da aprendizagem como no da aceitação. Sua facilidade em aprender e a sede obstinada pelo conhecimento em muitas ocasiões não era assimiladas pelos professores e colegas de classe. “Foram anos em função dela e ainda tenho chão pela frente, ela ainda precisa muito de mim. Foram muitas noites em claro, surtos pelas mais variadas coisas, dificuldades com a alimentação, roupas, passeios, rotina, regras que eu colocava pra ela e ela cobrava da escola inteira, mas principalmente o sentimento de exclusão e isolamento social. Muitos professores se irritavam com as perguntas dela, querendo mais profundidade na matéria. Depois do diagnóstico do TEA alguns professores demonstraram mais compreensão”, relatou a mãe.

“Por causa da superdotação e da hipersensibilidade causada pelo autismo, entre outras coisas, faziam com que eu ficasse muito enérgica, quase como que alterada. Bem diferente das outras crianças e era bem complicado de se lidar. Minha mãe era chamada na escola com reclamação dos professores quanto a isso. Eles falavam que era falta de educação e que precisava tomar remédio”, lembra a jovem.

Ainda segundo Natãmy, fazer amizades também nunca foi fácil para ela, ainda mais na infância. “Quanto aos colegas, por causa tanto da superdotação quanto do autismo, eles me viam como ‘a estranha’, ‘a esquisita’, ‘a louca’. Então, eu tinha pouquíssimas amizades, até hoje eu tenho poucos amigos, mas naquela época, eu acabava ficando excluída e se eu conversava com alguém, geralmente era, alguém que também por algum motivo era deixado de lado”.

Mãe também enfrenta TEA

Andréia é doutoranda em engenharia de materiais e nanotecnologia na UFPR e também é diagnosticada com TEA leve (Transtorno do Espectro do Autismo) e altas habilidades. “No ensino fundamental e médio eu era uma das melhores alunas também, a faculdade eu fiz toda oral. Então gosto de aprender, tenho facilidade com a matéria e dificuldade de interação com os colegas”. Ela também explica que ficou sem escrever por oito anos devido a um carcinoide e a dor crônica.“ Hoje uso medicamento pra dor cem vezes mais forte que a morfina, com isso consigo ter mais qualidade de vida. Como é só eu e ela, me esforço para estudar e trabalhar, gostaria de ter um emprego melhor no futuro e poder trazer mais segurança e conforto”, explicou.

Desenvolvimento atípico

Segundo Luciene de Oliveira Vianna, fundadora e diretora do Centro Conviver de Autismo, em Curitiba, os autista possuem a capacidade de absorção de estímulos diferenciada, logo, processam as informações do cotidiano em áreas diferentes do cérebro. “Na prática esta atipicidade representa potencialidades e dificuldades marcantes, em diferentes níveis de acordo com o ambiente que vive e dos estímulos que recebe; além de outros fatores que a própria ciência desconhece, pois um autista pode carregar um grau de deficiência intelectual e outro uma mente extraordinária”, argumenta.

Luciene ainda explica que, na prática, as potencialidades são desenvolvidas acerca de seus próprios gostos e interesses, e as dificuldades são desencadeadas pelos gostos -os interesses e emoções alheios-, ou seja, os autistas são bons para aquilo que se determinam a fazer e apresentam limitações para aquilo que os outros querem que façam.

“Sendo assim, a medida que crescem, e adquirem uma experiência que atenta seu gosto, acabam desenvolvendo talentos que acabam tornando-se intensos e repetitivos , sendo guiados por eles ao longo de sua vida, tornando-os verdadeiros experts sobre esta escolha. Assim foi com a Natamy, que desde cedo, dedicava seu tempo quase que exclusivamente aos estudos, com foco maior numa matéria que a move para ter que estudar as outras, uma vez que possui planos concretos de tornar-se pesquisadora e cientista”, explica a diretora.

Desta maneira, é comum os portadores desenvolverem as altas habilidades em áreas específicas, no entanto, por serem autistas, obrigatoriamente apresentam habilidades sociais incompatíveis e padrões comportamentais rígidos/restritos e repetitivos; além de serem pessoas mais sensíveis aos excessos de estímulos.

“O que não ocorre nos casos das pessoas que tem altas habilidades, mas é comum a genialidade mascarar o autismo. Finalmente é comum as pessoas com autismo desenvolverem habilidades extraordinárias, também é comum as pessoas com altas habilidades apresentarem algum grau de autismo. Mas é importante mencionar que em se tratando de autismo, todos os casos necessitam de cuidados especiais, inclusive os gênios; pois a genialidade por vezes interfere no desenvolvimento de habilidades sociais e comunicativas; assim como as funcionais que inibem a autonomia ou auto cuidado”, finaliza.