Em meio à instabilidade climática, à alta nos custos de produção e às incertezas da economia global, o pequeno produtor rural brasileiro segue enfrentando desafios desproporcionais. Muitas vezes sem acesso a crédito justo ou tecnologia adequada, ele depende integralmente da terra que cultiva para manter o sustento da família. E é justamente essa terra que, em momentos de dificuldade, acaba colocada em risco por dívidas com bancos ou fornecedores.

Pequena Propriedade Rural de pequeno produtor rural
Impenhorabilidade da pequena propriedade rural: um direito constitucional do produtor familiar. (Foto: Freepik)

O que poucos sabem é que a Constituição Federal oferece uma proteção robusta a esses produtores: a impenhorabilidade da pequena propriedade rural trabalhada pela família. Trata-se de uma cláusula pétrea, que garante não apenas o direito à propriedade, mas à dignidade e à continuidade da atividade agricola familiar.

O que diz a Constituição

O artigo 5º, inciso XXVI da Constituição é claro: “A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva”.

Esse dispositivo protege não apenas o patrimônio, mas o modo de vida do agricultor familiar. E se engana quem pensa que, ao oferecer o imóvel em hipoteca ou alienação fiduciária, o produtor automaticamente abre mão dessa garantia. Por se tratar de direito fundamental e indisponível, a proteção constitucional permanece válida, mesmo diante de contratos assinados em sentido contrário.

O que é considerada pequena propriedade rural?

Por lei, pequena propriedade rural é aquela com até quatro módulos fiscais, desde que explorada pela própria família. O módulo fiscal, definido pelo INCRA, varia de acordo com o município — podendo ir de 5 a 110 hectares. Isso significa que em algumas regiões do país, uma pequena propriedade pode chegar a até 440 hectares.

Por exemplo:

  • Em Criciúma/SC, o módulo é de 14 hectares, e o limite para proteção é de 56 hectares.
  • Em Pedro Gomes/MS, o módulo é de 60 hectares, totalizando até 240 hectares protegidos.

Mesmo que o imóvel esteja dividido em mais de uma matrícula, desde que os lotes sejam contíguos e somem até quatro módulos fiscais, a propriedade se enquadra na proteção constitucional.

Garantias ilegítimas: o que diz o STF

Muitos produtores, por desconhecimento, oferecem suas terras como garantia em empréstimos, acreditando que isso os faz perder automaticamente a proteção legal. No entanto, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a pequena propriedade rural continua impenhorável mesmo que dada em garantia:

“A garantia da impenhorabilidade é indisponível, assegurada como direito fundamental do grupo familiar, e não cede ante gravação do bem com hipoteca.”
(STF – ARE 1038507/PR, rel. Min. Edson Fachin)

No caso da alienação fiduciária, que transfere provisoriamente a propriedade ao credor, o entendimento dominante nos tribunais segue a mesma linha: se a terra é pequena e explorada pela família, ela não pode ser perdida, e o produtor pode pleitear a anulação do contrato ou do leilão.

Quem precisa provar o uso familiar?

A Constituição exige que a propriedade seja trabalhada pela família, mas há divergências nos tribunais sobre quem deve provar isso. Algumas decisões atribuem ao credor a obrigação de demonstrar que o imóvel não é explorado pelo núcleo familiar. Outras exigem que o próprio produtor faça essa prova.

Por cautela, o ideal é reunir documentos como notas fiscais de produção, contratos de parceria, declarações de vizinhos e cadastros no INCRA. Importante: mesmo que parte da terra esteja arrendada, a proteção se mantém se a renda obtida for destinada ao sustento da família. Também não é necessário que a propriedade seja a única fonte de renda familiar — basta que tenha papel relevante na subsistência.

Perdi a terra. Ainda posso recuperar?

Se a propriedade já foi leiloada ou transferida, ainda assim o produtor pode buscar a reversão judicial. Quando a garantia for hipoteca, o prazo para ação anulatória é de quatro anos a partir da emissão da carta de arrematação. Se foi alienação fiduciária, há decisões que admitem o mesmo prazo, embora alguns tribunais adotem o limite de dois anos.

Um direito que precisa ser conhecido e respeitado

A impenhorabilidade da pequena propriedade rural é mais do que uma cláusula legal: é uma salvaguarda da dignidade humana no campo. Ao impedir que o agricultor perca o bem que lhe garante subsistência, a Constituição reafirma que o direito à vida não pode ser ofuscado por contratos de adesão ou práticas abusivas.

Conhecer essa proteção é fundamental. Exigir seu cumprimento é necessário. E, quando violada, há caminhos legais para restaurar o que foi injustamente retirado.

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