O que é essa tal de moeda única? Vale a pena para o Brasil?
Após a declaração de Daniel Scioli, embaixador da Argentina, sobre a possibilidade da utilização de uma moeda única para os países sul-americanos, posta em discussão com Haddad, o ministro da Fazenda brasileiro deu a entender a um repórter que o projeto ainda estaria bastante prematuro.
Esse tipo de projeto já foi cogitado em gestões anteriores, por Paulo Guedes por exemplo, que, em analogia ao que acontece na zona do euro, entendia que o Mercosul deveria utilizar uma moeda única. Uma das hipóteses do ex-ministro é a de que em algumas décadas restariam em torno de 5 moedas principais no globo, dentre elas o Dólar, o Yuan, o Euro e a moeda sul americana, caso a integração fosse adiante.
Nesse cenário comparativo o Brasil desempenharia um papel semelhante ao da Alemanha, que por estar rodeada por 8 países da União Europeia, trabalha para a coesão da Europa através da sua política externa como um meio para a segurança nacional e garantia de escoamento da sua produção, e o faz, antes de mais nada, por ser o país mais capacitado economicamente para tal.
O que acontece na Europa é o estabelecimento de um mercado comum onde há um intercâmbio mais amplo, em outras palavras o livre trânsito de mercadorias, pessoas, capitais e serviços dos países integrantes da União Europeia (UE), lembrando que alguns deles pertencem a Zona do Euro.
Esse tipo de integração monetária implica em uma diluição do risco de utilização dessa moeda entre os países membros, de modo que quanto mais estável economicamente um país é maior a sua contribuição para a estabilidade da moeda comum.
Ao transpor essa noção para o cenário sul-americano, o Brasil desempenharia um papel central não apenas por fazer fronteira com muitos países do Mercosul, mas por ser o país mais potente economicamente na região. Essa posição implica em uma série de limitações ao manejo da política monetária, a principal ferramenta para controle inflacionário, que alguns países sul-americanos não estão conseguindo executar.
A Argentina chegou a atingir uma inflação de 94,8% em 2022 e a Venezuela 332%. Logicamente demandam um tratamento monetário, além de geopolítico, muito distinto de um país como o Brasil.
A moeda, como principal mercadoria nas economias, carrega consigo todos os seus correspondentes em termos de tecnologia, nível de produtividade do trabalho, Estoque Bruto de Capital Fixo, estoques de divisas e até mesmo capacidade bélica, aspectos que inevitavelmente precisam de ser equalizados para que um acordo de moeda única seja realizado.
Em eventual integração, a construção seria voltada em especial para negociações comerciais entre os países e não como uma moeda de livre circulação entre a população. A ideia de uma moeda única é gerar confiança entre os países e atenuar os efeitos de desvalorização ao se converterem as moedas locais em dólar para transações entre os países sul americanos, alternativa pertinente em regiões onde há uma intensidade de trocas comerciais.
Nesse sentido, a pergunta central é se as empresas brasileiras e sul americanas teriam condições de levar o uso dessa moeda adiante, visto que quando pensamos em América latina está implícita a necessidade de importação de bens de produção, tornando o dólar um meio de pagamento incontornável.
Uma iniciativa da Associação Latino Americana de Integração (ALADI) que caminha nessa direção é o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), um sistema em que os bancos centrais integrantes realizam compensações quadrimestrais e oferecem garantias recíprocas de conversibilidade em dólar americano, transferibilidade e reembolso referente ao comércio de bens e serviços. O sistema evidenciou as disparidades mencionadas no calote dado pela Venezuela e a própria saída do Brasil em 2019.
Já o Sistema Unificado de Compensação Regional (SUCRE) é um exemplo de integração mais homogênea, já que os países membros, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Cuba e Equador enfrentam situações semelhantes de embargo econômico e restrições a importação, portanto se alinham no interesse em uma moeda alternativa ao dólar americano.
Em suma, antes do estabelecimento de um acordo de moeda única, é necessário que a política externa brasileira seja conduzida de forma coerente com as suas necessidades econômicas internas, pois na conjuntura atual os riscos inflacionários, fiscais e entraves na condução da taxa de juros são maiores do que os ganhos para a economia brasileira.