Estou com sorte. Novamente um espetáculo digno de um festival. Para quem leu lá no site do Festival a síntese simpática e achou que iria ver um bom show musical abordando a história do futebol, se surpreendeu. Samba Futebol Clube é muito mais. Os atores não apenas cantam bem, interpretam bem e dançam bem. Eles tem aquela paixão diferencial de todo torcedor que ama o esporte mais que a seu time. Paixão nos olhos, no corpo, na voz e nos 5 quilos que, acho, perdem durante o espetáculo de 2 horas.

Por trás de tudo está a paixão desse atleta Gustavo Gasparini, que reuniu uma seleção e a fez trabalhar com tanta alegria. A direção é precisa, o ritmo é exato, as escolhas musicais e textuais levando a um passeio pelo futebol que está muito além do campo.

A história e o sentido do futebol, a crônica extra-campo, a história dos 4 grandes clubes cariocas, de algumas seleções, a dimensão humana do torcedor e do atleta, já bastaria isso para ser grande. Mas, quando tudo parece ter sido dito, surge uma nova dimensão: política, crítica, lírica, no segundo ato. Goleada.

A direção musical de Nando Duarte consegue o mesmo efeito: a partir de material básico (nada de instrumentos especiais), consegue  propor sonoridades ímpares em composição com os cantores-atores.  E transforma todos os acentos musicais em sotaque de samba. A música e o espírito do samba/futebol passa do canto para a fala que devolve para o canto que passa para o silêncio e explode na rede. E nós, sem defesa. A coreografia de Renato Vieira faz o mesmo: dribla tudo e todos, dribla a si mesma, um espetáculo. Bem, eu poderia falar de toda a parte técnica da mesma maneira: cada um em sua posição e jogando pelo conjunto. Para, mais uma vez, ressaltar o trabalho genial de Gasparini.

Talvez o telão de fundo tenha ficado um pouco pequeno para as dimensões do Guairão, mas isso é detalhe. Talvez a gente queira mais, queira ouvir o hino do nosso clube, nossa paixão local. Mas, como diria o Paulo Freire: para ser universal, canta a tua tribo. E, queiramos ou não, a paixão pelo futebol brasileiro por muitos anos nos foi passada, através da telinha e do inesquecível Canal 100, com os exemplos do futebol carioca.

Vai uma ideia: em algum dos silêncios do segundo ato,  o elenco arrumando os instrumentos e, atrás deles, gloriosa e tremulante, a bandeira do Coritiba. O público aplaudiria e vaiaria ao mesmo tempo. Os atores, cenicamente surpreendidos, olhariam para a plateia, sem entender. Seguido, a bandeira cheia de raça do Atlético, e a mesma reação. Seguido, a do insistente Paraná. E os atores, entendendo a participação, aplaudiriam a paixão da plateia. Muito simpático, como é o espetáculo.

Conheço muita gente que critica o futebol pelas mazelas nacionais da mesma forma que critica as novelas. Grande parte dessas pessoas nunca jogou ou não desenvolveu a paixão que, como mesmo o espetáculo diz, “não tem data de origem definida no coração da gente”. Não lhes tiro parte da razão, mas com certeza alterariam seu discurso se vissem o que vi.

Samba Futebol Clube é um exemplo para o futebol: com excelente diretoria, administração e staff técnico, ganha de goleada com apenas 8 em campo.