Redução nos salários do elenco fez Santos pagar vencimentos da maior parte do clube

Rafael Cobra, presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB Santos, vê risco “muito grande” de ações na Justiça do Trabalho contra o Peixe após a redução de 70% nos salários do elenco em meio à crise financeira acentuada pelo novo coronavírus.

Para o doutor Cobra, o Alvinegro erra ao se apoiar na Medida Provisória 936 sem ter o aval dos jogadores.

“A MP mencionada pelo Santos no comunicado aos atletas autoriza a redução da jornada de trabalho e redução salarial, mas condiciona a acordo firmado entre as partes, entre empregador e empregado. Na MP não há autorização para medida compulsória. O artigo 503 da CLT autoriza, em casos extremos como calamidade, redução de até 25% da remuneração, mas é preciso comprovar redução de receita na mesma proporção”, disse Cobra.

“Não há autorização de redução salarial de forma impositiva no patamar de 70%. É a minha visão, minha leitura, sobre o caso específico. MP possibilita 99% de redução de salário, desde que empregado concorde. Um acordo individual entre empregador e empregado teria validade jurídica, mas MP, repito, não legitima redução salarial nesse patamar de 70% de forma impositiva, unilateral, como é o que me parece que aconteceu nesse caso do Santos”, completou.

No comunicado enviado aos atletas, o Santos cita dois sindicatos: SINDESPORTE e SINPEFESP. A convenção coletiva, porém, não abrangeria jogadores profissionais de futebol.

“E uma crítica que faço ao ler o comunicado enviado aos funcionários é a menção expressa a dois sindicatos que teriam, por meio de convenção coletiva, autorizado a redução de salários. Mas são dois sindicatos que não abrangem atletas profissionais de futebol. Um sindicato para profissionais de educação física e outro representante dos empregados das entidades de prática esportiva e federações. Portanto, a justificativa no comunicado não me parece adequada para redução salarial de atletas profissionais”, explicou o advogado, antes de destacar o risco judicial.

“Vejo risco muito grande para o Santos. Se manter redução nos meses como consta no comunicado, de ações trabalhistas visando a rescisão indireta. Por mais que momento seja de exceção, Justiça de Trabalho analisaria as excepcionalidades do momento que vivemos, mas me parece fora de proporção uma redução unilateral de 70%, ainda mais se levarmos em conta que diretoria e elenco tinha chegado em acordo verbal de redução de 30%. O fato de constar no comunicado a negociação posterior para indenizar metade do valor reduzido não torna legítima a redução, até por não mencionar a forma exata da devolução do valor. Pode ser diluído mês a mês, assim como rescisão contratual futura”, concluiu.

A maior parte do quadro de funcionários do Santos não sofrerá redução salarial. O corte será de até 70% nos vencimentos de abril, maio e junho para quem recebe mais de R$ 6.101,06 por mês, o teto previdenciário.

Gazeta Esportiva entrou em contato com José Carlos Peres para repercutir a decisão. O presidente disse que pensou na maioria do clube, aproximadamente 300 funcionários mais “vulneráveis”. E não quis comentar sobre o risco de processos.

“Cerca de 80% dos funcionários ganha menos de R$ 6,1 mil por mês. Esses não tiveram redução”, disse Peres.

Quem recebeu o “desconto” terá estabilidade pelo menos até outubro, receberá um salário adicional no fim do contrato e metade do que ficou para trás no ato da rescisão.

O elenco está insatisfeito. Houve sinalização de 30% de redução em abril, falta de acordo e, na semana do pagamento, o corte de 70%, via e-mail e sem maiores explicações. Os líderes do grupo devem conversar com o presidente Peres nos próximos dias.