Nem sempre foi fácil. Nem sempre Richarlison de Andrade recebeu as altas cifras que ostenta hoje, jogando no Everton, da Inglaterra. Ele é daqueles jogadores que viveram, intensamente, a jornada do herói, descrita por Joseph Campbell. O começo, como de tantos outros, foi humilde, em uma comunidade do Espírito Santo. Hoje, aos 23 anos e considerado um dos principais jogadores da Europa, Richarlison tem também um papel fundamental fora das quatro linhas: o de colocar o dedo na ferida.
Depois de um ano de destaque no Watford, em 2018, Richarlison chegou ao Everton. Hoje, o jogador da Seleção vive um de seus melhores momentos no clube de Liverpool. Talvez, por isso, sinta-se tão à vontade para falar sobre assuntos delicados – e também polêmicos – para seus mais de meio milhão de seguidores no Twitter e 3,2 milhões no Instagram.
“Acho que a nossa voz é muito forte, podemos chegar até as pessoas e até quem está no poder”, destacou o jogador, em entrevista exclusiva ao Gazeta Esportiva.com.
O apagão no Amapá, a violência contra mulher, a morte de George Floyd, covid-19, queimadas no Pantanal e racismo são apenas alguns dos assuntos que entram no radar do atacante. O olhar atento às questões sociais, entretanto, não vem de hoje. Cresceu com ele. Sua infância não foi das mais fáceis e foi preciso manter os pés no chão para não se perder no caminho.
DE OLHOS ABERTOS
“A minha realidade e da minha comunidade eram muito difíceis e isso faz a gente abrir os olhos para muita coisa que quem está de fora não entende”, destaca o dono da camisa 7. “Não acho que sou o jogador mais politizado. Sou só um cara preocupado com a realidade do povo do meu país e que tenta fazer alguma coisa para chamar atenção de causas importantes”.
Talvez faça sentido dizer que as vivências de Richarlison deram a ele um maior inconformismo diante de situações de injustiça. Certa vez, quando já estava na base do América, foi pescar no lago da roça onde seu pai morava. Lá, havia três represas e o dono do local disse que em uma delas eles não poderiam pescar.
No que podiam, não pegaram nada.
“Quando a gente estava indo embora, resolvi parar no que era proibido e acabei pegando um peixe. O cara viu e humilhou meu pai na nossa frente. Prometi, ali mesmo, que ia tirar meu pai daquela situação”, relembra Richarlison.
Graças a Deus, nas palavras do jogador, ele conseguiu.
INIMIGO DE QUEM?
Richarlison sempre sentiu olhares diferentes. Ele acredita que, parte disso, seja por conta de sua origem: na favela, humilde. Não foram poucas, também, as vezes que o jogador foi chamado de bandido – sem motivo aparente. “Você se sente um inimigo. E isso quando você é pequeno faz um estrago”, relembra.
Os sentimentos que viveu quando criança, hoje, fazem o jogador ter um olhar especial para os pequenos. Além do posicionamento em questões pontuais, Richarlison também é conhecido pelas ações que favorecem pessoas em situação de vulnerabilidade social. Para se ter uma ideia, ele ganhou o prêmio Community Champion, da Associação de Jogadores Profissionais da Inglaterra (PFA), pelos trabalhos beneficentes que faz. “Muitas crianças se espelham na gente, usam o que a gente faz e fala como exemplo. Então, temos que ser bons exemplos, falar de coisas importantes”, destaca.
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SIGAM-ME, OS BONS
Assim como Richarlison, outros jogadores aproveitam da visibilidade que têm para levantarem pautas importantes. Marcus Rashford, do Manchester United, é um deles – e serve de inspiração para o brasileiro.
Recentemente, o inglês, que também teve passagens difíceis em sua infância, escreveu uma longa e emocionante carta aberta ao parlamento britânico. O pedido era que o governo local lute contra a fome infantil no país.
“O Rashford tem sido uma grande inspiração”, explica Richarlison. “Ele fez um trabalho muito bonito com as crianças aqui na Inglaterra. Por uma ação dele, muitas delas estão tendo uma boa alimentação durante essa pandemia. Isso tem que servir de espelho pra todos nós”.
Apesar de se inspirar em colegas que também colocam os holofotes em problemas sociais, Pombo defende que cada um tem o direito de falar ou não sobre esses assuntos. “Não vou cobrar que um companheiro se posicione, somos todos adultos e temos nossos compromissos e ideias”, ressalta. “E é importante dizer sempre que, não falar não quer dizer que não ajuda. Vários jogadores têm trabalhos sociais, fazem muito pelas crianças e por suas comunidades. Então, cada um participa da forma que gosta mais”, finaliza o jogador.
Curiosamente, o maior sonho profissional do jogador também passa pelo conceito de “dar alegria ao seu povo”, no sentido micro e macro da coisa. Seu maior orgulho é poder dar uma casa para todos os seus familiares e poder dar uma vida um pouco melhor para todos eles. Por sua vez, seu maior sonho, sem caridade nem piedade dos rivais, é jogar e ganhar uma Copa do Mundo pelo Brasil. “Durmo e acordo pensando nisso todos os dias”, finaliza o jogador.