Brasil - Conforme levantamento feito em 93 países sobre o consumo de alimentos, os ultraprocessados estão dominando a mesa das famílias. Assim, os também chamados de “ultra-processed foods”, ou UPFs, conquistaram espaço nas prateleiras e nas refeições diárias. Mas a que custo para a saúde humana?

Alimentos ultraprocessados afetam até a fertilidade
Alimentos ultraprocessados afetam até a fertilidade, mas o consumo só cresce – Foto: Reprodução

Os dados estão nos artigos publicados na Revista Lancet, na última terça-feira (18/11). Nele, mais de 40 cientistas e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) dão o alerta. Da década de 1980 para cá, o percentual de consumo de ultraprocessados dobrou no Brasil.

Médicos alertam para os perigos desses produtos, que vão muito além de calorias vazias.

O que são alimentos ultraprocessados?

Alimentos ultraprocessados são formulações industriais feitas principalmente a partir de substâncias extraídas de alimentos (óleos, açúcares, proteínas). Além de ingredientes modificados (como amidos alterados) e aditivos como aromatizantes, corantes e emulsificantes. Eles contêm pouco ou nenhum alimento in natura ou minimamente processado.

Esse conceito foi delineado por pesquisadores brasileiros, especialmente por Carlos Augusto Monteiro, da USP, por meio do sistema de classificação NOVA. Esse sistema categoriza os alimentos de acordo com seu grau de processamento.

Por que eles fazem mal?

  1. Risco elevado de doenças cardiovasculares e mortalidade precoce

Um estudo de longo prazo com quase 92 mil norte-americanos mostrou que pessoas que consomem mais ultraprocessados têm risco significativamente maior de morrer por doenças cardíacas.

Outra pesquisa, apresentada pela Sociedade Americana de Cardiologia, relacionou cada porção diária adicional de UPF com um aumento de 5% a 9% no risco de eventos cardiovasculares graves.

  1. Mecanismos biológicos nocivos além dos nutrientes

Não é só o excesso de gordura, sal e açúcar que preocupa: os UPFs são ricos em aditivos industriais e contaminantes. Uma revisão científica apontou que esses componentes podem desencadear processos inflamatórios, estresse oxidativo e disfunções metabólicas.

Em especial, há evidências de que substâncias como ftalatos (usadas em plásticos) possam atuar como desreguladores endócrinos. Assim, afetam hormônios e aumentam a exposição a riscos químicos.

Morgan Spurlock, autor do documentário 'Super size me" passou 30 dias à base de alimentos ultraprocessados
Morgan Spurlock, autor do documentário ‘Super size me” passou 30 dias à base de alimentos ultraprocessados – Foto: Reprodução
  1. Danos rápidos ao metabolismo e à fertilidade

Um estudo controlado recente, liderado pelo biólogo Romain Barrès, da Universidade de Copenhague e da Université Côte d’Azur, revelou efeitos negativos já em poucas semanas de dieta ultraprocessada.

Os participantes ganharam peso — especialmente gordura — mesmo quando a ingestão calórica era igual à de uma dieta com alimentos minimamente processados. Além disso, técnicos encontraram altos níveis de um ftalato chamado cxMINP no sangue, queda de hormônios reprodutivos nos homens (como testosterona e FSH) e piora na motilidade espermática.

Alimentos ultraprocessados nas palavras do próprio Barrès:

“Ficamos chocados com as funções do corpo que esses alimentos alteraram em homens jovens e saudáveis. As implicações a longo prazo são alarmantes.”
EurekAlert!

  1. Ameaça a múltiplos órgãos

Em uma grande revisão publicada recentemente na série da revista The Lancet, pesquisadores internacionais — incluindo o epidemiologista Barry Popkin, da Universidade da Carolina do Norte — alertam que o consumo de UPFs está associado a danos em praticamente todos os sistemas do corpo: coração, fígado, intestino, sistema nervoso e até a saúde mental.

Monteiro e colegas afirmam que “os humanos não estão biologicamente adaptados para consumi-los”.

Especialistas estrangeiros em destaque

Romain Barrès, biólogo dinamarquês/francês, conduziu um ensaio clínico rigoroso que demonstrou que os UPFs alteram hormônios reprodutivos e aumentam contaminantes endócrinos no sangue, mesmo com calorias constantes.

Barry Popkin, epidemiologista da Universidade da Carolina do Norte, é coautor de uma grande revisão da The Lancet que pede regulação mais forte desses alimentos e alerta para seu impacto global em saúde pública.

Implicações para a saúde pública e individual

Diante dessas evidências, muitos especialistas pedem políticas mais rígidas: rotulagem frontal, limites na publicidade (especialmente para crianças), restrições em escolas e hospitais, e tributação de alimentos ultraprocessados.

No nível individual, a mensagem é clara: reduzir o consumo desses produtos pode trazer benefícios reais e imediatos. Trocar refeições ultraprocessadas por alimentos minimamente processados — frutas, vegetais, legumes, grãos integrais — não só melhora a qualidade nutricional da dieta como diminui a exposição a aditivos e contaminantes.

Alimentos ultraprocessados: ameaça silenciosa

Os alimentos ultraprocessados representam uma ameaça silenciosa: além de pobres nutricionalmente, eles contêm substâncias que interferem em funções vitais do corpo e encurtam a vida. Especialistas de renome, como Romain Barrès e Barry Popkin, pedem atenção urgente — tanto de governos quanto de cada um de nós — para reverter esse cenário.

Se quisermos promover uma alimentação mais saudável e sustentável, é hora de repensar não apenas o que comemos, mas como esses alimentos são produzidos, regulados e comercializados.