A obesidade é um desafio de saúde pública que impacta vidas. Dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), do Ministério da Saúde em 2024, revelam que 34,66% da população do Brasil convive com algum grau da doença crônica. A situação chama mais atenção quando se observa a obesidade mórbida (IMC acima de 40 kg/m²), que já atingiu aproximadamente 1,16 milhão de brasileiros, um aumento de 29,6% em apenas quatro anos, de acordo com um levantamento obtido pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).

Diante desse cenário, a busca por soluções eficazes para a perda de peso tem levado a um debate entre dois caminhos distintos: as novas e populares canetas emagrecedoras, como a semaglutida (Ozempic, Wegovy) e a tirzepatida (Mounjaro), e a cirurgia bariátrica. Enquanto as canetas ganharam repercussão pela facilidade de uso e promessas de resultados rápidos, a cirurgia bariátrica se reafirma, com base em evidências científicas, como a ferramenta mais eficaz, duradoura e mais econômica a longo prazo para o tratamento da obesidade grave.
Afinal, em um país onde a cirurgia bariátrica é acessível por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), por que as canetas emagrecedoras permanecem restritas ao mercado privado, com custos altos? E qual a real eficácia de cada método a longo prazo? Entenda!
Gasto vitalício x Investimento de longo prazo
Um dos pontos na comparação entre os dois tratamentos é o custo. Embora a percepção inicial possa ser de que os medicamentos injetáveis são mais acessíveis que o procedimento cirúrgico, dados indicam que a realidade financeira inverte essa lógica em um período de tempo relativamente curto.
Segundo uma análise publicada na revista científica Surgical Endoscopy, os custos com medicamentos análogos ao GLP-1, como Ozempic e Wegovy, superam o valor de uma cirurgia bariátrica em menos de 12 meses nos Estados Unidos. No Brasil, a dinâmica é semelhante. Dr. Alcides Branco, cirurgião bariátrico e metabólico, afirmou ao Portal Ric que o custo de uma caneta emagrecedora com o uso contínuo é mais cara do que uma cirurgia bariátrica particular.

Conforme o médico, a diferença reside na natureza do tratamento. O procedimento cirúrgico é, na maioria dos casos, um investimento único, com um custo total conhecido desde o início. Já o uso das canetas emagrecedoras representa uma despesa contínua e vitalícia, que pode ultrapassar os R$ 45 mil em apenas um ano de tratamento.
“Não tenha dúvida. A caneta é mais cara, mas mesmo a cirurgia sendo mais barata, ela é mais efetiva, porque é a longo prazo. A caneta é temporária”, explicou o especialista.
Efetividade e durabilidade
Além do custo, a efetividade e a durabilidade dos resultados são fatores determinantes. Estudos apresentados no Congresso Anual da American Society for Metabolic and Bariatric Surgery (ASMBS) revelam que a cirurgia bariátrica promove uma perda de peso média de 30%, que é mantida por até 10 anos. Esse resultado é superior ao observado com a semaglutida e a tirzepatida, que estabilizam a perda de peso entre 14% e 22%.
| Tratamento | Perda média de peso | Manutenção a longo prazo |
|---|---|---|
| Cirurgia bariátrica | 30% | Até 10 anos |
| Semaglutida (Ozempic) | 14–22% | Recuperação rápida após suspensão |
| Tirzepatida (Mounjaro) | 14–22% | Recuperação rápida após suspensão |
A recuperação de peso após a suspensão dos medicamentos injetáveis é um detalhe a ser observado. Cerca de 50% do peso perdido é recuperado em até um ano após a interrupção do tratamento, uma situação que Dr. Alcides observa com frequência no consultório.
“Se você parar de usar, todos os trabalhos científicos mostram que o reganho de peso é em pouco tempo, em dois ou três meses, a pessoa reganha todo o peso”, complementou o cirurgião.
Essa diferença na durabilidade tem um impacto direto na qualidade de vida e na saúde do paciente. “A caneta ajuda, ela não resolve, ela melhora”, explicou. “O apelo comercial é muito grande. Tem suas indicações. Mas se você for fazer uma comparação, por exemplo, de efetividade, a cirurgia se mantém mais tempo”, completou o especialista.
Cirurgia metabólica: controle de diabetes
A caneta emagrecedora foi criada para o controle de diabetes, no entanto, conforme o médico, também existe outro tratamento que é mais eficaz que o uso desse medicamento: a cirurgia metabólica. Esse procedimento visa controlar doenças metabólicas, principalmente diabetes tipo 2.
“Agora nós temos a cirurgia metabólica, que é diferente da bariátrica. A cirurgia bariátrica é para obesidade, enquanto a metabólica é para tratar doenças metabólicas. A cirurgia metabólica é um projeto que temos há 18 anos. Nela, o paciente também tem uma perda de peso, mas a cirurgia foca mais no tratamento de doenças metabólicas, como o diabetes tipo 2”, explicou Dr. Alcides.
Além disso, o médico complementou dizendo que pacientes com diabetes tipo 2, colesterol alto, esteatose hepática ou apneia do sono têm uma remissão de 96% e não precisam mais usar remédio após o procedimento.
Do uso da caneta à decisão pela cirurgia: relatos de quem viveu a mudança
A popularidade das canetas emagrecedoras, impulsionada pelas redes sociais e por um apelo de facilidade, criou uma nova dinâmica no tratamento da obesidade. Dr. Alcides Branco observa que houve uma diminuição temporária nas cirurgias bariátricas em consultórios privados devido à popularidade das canetas. No entanto, ele agora vê um aumento de pacientes que já utilizaram os medicamentos e buscam uma solução definitiva.
Essa jornada é vivida por pessoas como Rian Carlos Rosa, estudante de Publicidade e Propaganda, de 23 anos. Ele, que conviveu com o excesso de peso desde a infância, experimentou diferentes abordagens para emagrecer, incluindo o uso da semaglutida (Ozempic).
“Eu simplesmente quis emagrecer, fui lá e comprei o Ozempic. Eu fiz todo um processo, fiz vários testes, até que eu cheguei nessa alternativa”, iniciou o jovem.
Em um primeiro momento, a caneta pareceu a solução ideal. Rian usou o Ozempic por três meses e conseguiu perder cerca de 10 quilos. No entanto, o resultado não o satisfez e a experiência não foi o que ele esperava.
“Eu não gostei mesmo. Era incômodo ter que fazer aquele processo todos os dias de aplicar a caneta e… Enfim, não foi para mim, não foi uma experiência legal assim”, complementou.
Além do desconforto, havia a questão financeira. Rian gastava quase todo o salário com o medicamento. A falta de resultados significativos e o alto custo o levaram a buscar uma nova alternativa.
“Eu gastava praticamente o meu salário inteiro em medicamento para conseguir emagrecer com o Ozempic. Então, assim, não gostei, não foi um bom investimento”, relatou.

Segundo Rian, a decisão pela cirurgia veio após uma reflexão. O jovem, que já estava com dores no joelho e no pé, percebeu que a obesidade estava limitando a rotina, como em um show de sua banda favorita, onde não conseguia aproveitar a experiência por causa do desconforto. Ele tentou o processo pelo SUS, mas depois decidiu partir para a particular.
“Eu estava em um momento que eu não podia mais esperar… Eu não consegui esperar, eu fui verificar quanto seria fazer pelo particular. E daí eu cheguei na conclusão que a melhor alternativa para mim era desistir do processo pela rede pública e partir para a rede particular”, afirmou Rian.
A cirurgia, feita na rede particular, foi a solução. Rian perdeu mais de 50 quilos e, apesar de ter passado por uma complicação pós-operatória (uma hérnia de Petersen), não se arrepende da decisão.
“Para mim, a bariátrica foi a melhor opção. Foi a melhor decisão que eu tomei na minha vida”, finalizou.
Resultados rápidos, mas não duradouros
Outro relato que reforça a ineficácia da caneta a longo prazo é o de Gabrielle Andreassa Lodo, publicitária de 38 anos. Ela usou o Ozempic algumas vezes para emagrecer e melhorar a estética. Os resultados iniciais eram rápidos, mas não duradouros.
“Da primeira vez que eu usei, eu perdi 20 quilos, eu parei de usar e em 15 dias eu recuperei 21, então um a mais do que eu já tava”, disse Gabrielle.
A decisão da mulher pela cirurgia bariátrica foi um “estalo” que, segundo ela, todo bariátrico precisa ter. Após um desmaio, seu cardiologista alertou que o coração de Gabrielle não foi feito para aguentar o peso que ela carregava. A obesidade, mesmo sem manifestar doenças aparentes, estava sobrecarregando o corpo. Ela, que também gastou muito dinheiro com remédios e dietas, afirmou que a bariátrica valeu cada centavo.
“Fiz a bariátrica há quase cinco anos, foi com certeza, sem dúvida alguma, a melhor decisão que eu já tomei na minha vida, depois dos meus filhos”, revelou.
Gabrielle reforça que a cirurgia não é um milagre, mas uma ferramenta que exige comprometimento, mudança de hábitos e um acompanhamento multidisciplinar.
“A pior parte da recuperação é o você mostrar pro teu corpo e pra tua mente que realmente as coisas mudaram”, explicou. A mulher ressalta que passar da alimentação desregrada para o controle total é desafiador, mas que o esforço é temporário, enquanto a recompensa é para a vida toda.
“Você tem que ter em mente que aquilo ali são 10, 15 dias, né, porque são 15 dias de líquida, depois pastosa, depois sólida, você tem que entender que aquilo ali é muito pouco de tempo para o resto de uma vida é saudável”, completou a mulher.
Por que o SUS oferece a cirurgia bariátrica e não a caneta emagrecedora?
Em nota enviada ao Portal Ric, o Ministério da Saúde, por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), afirma que recomenda que as canetas emagrecedoras, com os princípios ativos semaglutida e liraglutida, não sejam incluídas na rede pública. O principal motivo é o alto impacto financeiro, que colocaria em risco a sustentabilidade do sistema.
“No caso da liraglutida e da semaglutida, o impacto financeiro estimado é da ordem de R$ 8 bilhões anuais. Esse valor representa quase o dobro do orçamento do Farmácia Popular em 2025”, disse o Ministério da Saúde no comunicado.
A política de incorporação de tecnologias do SUS considera as melhores evidências científicas de eficácia, segurança e, de forma crucial, análises de custo-efetividade. O comunicado diz que o Ministério da Saúde, em uma estratégia de longo prazo, tem priorizado a autonomia do país na produção de tecnologias de saúde, incentivando o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS). Nesse sentido, solicitou que a Anvisa priorize o registro de medicamentos genéricos com esses princípios ativos. A entrada de genéricos pode garantir preços até 40% mais baixos, estimulando a concorrência e abrindo caminho para uma futura incorporação mais viável ao SUS.
Atualmente, o Sistema Único de Saúde oferece uma assistência integral e robusta para pessoas com sobrepeso e obesidade por meio da Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas. O tratamento é estruturado a partir de mudanças no estilo de vida e acompanhamento multiprofissional, com a cirurgia bariátrica como opção para casos pré-estabelecidos.

A Tabela de Procedimentos do SUS disponibiliza diferentes modalidades de cirurgias bariátricas, como a gastrectomia vertical em manga (sleeve) e a gastroplastia com derivação intestinal (bypass).
Em relação à cirurgia metabólica — considerada uma modalidade da bariátrica e especialmente indicada para pacientes com diabetes tipo 2 de difícil controle —, o procedimento segue os mesmos critérios, conforme o Ministério da Saúde. São elegíveis pacientes com IMC superior a 35 kg/m² associados a comorbidades como diabetes, hipertensão, apneia do sono e doenças articulares, que não tenham obtido sucesso após, no mínimo, dois anos de tratamento clínico. A cirurgia, nesse contexto, é vista como uma solução definitiva e financeiramente sustentável a longo prazo, em contraste com a despesa contínua e bilionária que as canetas representam.
Governo fecha parcerias para fabricar versões genéricas
Apesar da negativa, o governo fechou parcerias entre a Fiocruz e a indústria EMS para fabricar versões genéricas desses medicamentos no Brasil. A ideia é baratear os preços e ampliar o acesso no futuro.
Além disso, a Anvisa agora exige que as farmácias retenham as receitas médicas das canetas emagrecedoras para evitar o uso indiscriminado e proteger a saúde da população. Especialistas alertam que, sem controle, esses remédios podem trazer riscos e dificultar o acesso de quem realmente precisa do tratamento.
Parceria entre tratamentos
Para Dr. Alcides, os tratamentos não são antagônicos, mas parceiros: “Nós temos que só entender que às vezes o radicalismo de cada lado, isso é prejudicial”. Ele acredita que os avanços em medicamentos e cirurgias se somarão para oferecer as melhores soluções aos pacientes. No entanto, a busca por profissionais qualificados e a compreensão de que a perda de peso real exige uma mudança de comportamento são essenciais.
“Todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer”, brinca o doutor. “Todo mundo quer emagrecer, perder peso, controlar, mas não quer mudança comportamental, acertar sua alimentação, fazer atividade física, hidratar na hora certa… isso realmente dá trabalho”.
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