
Tratamento é longo e caro, mas necessário, pois a micose pode ser fatal para o felino
Uma doença causada por um fungo que vive no solo, o Sporothrix sp, se alastra pelo Brasil. O gato é a maior vítima da esporotricose: uma micose causadora de lesões sérias e potencialmente fatais quando não tratadas em tempo hábil. Mas, por meio de unhadas (o termo técnico é “arranhadura”), os felinos infectados transmitem o fungo a outros gatos, a cães e também a seus donos.
As lesões em humanos e cachorros geralmente não são tão severas como nos felinos e raramente impõem risco à vida. Mesmo em gatos, que são mais afetados, a doença tem cura, mas o tratamento é caro e demorado e a doença se concentra em animais da periferia e de comunidades carentes, o que dificulta o tratamento devido principalmente ao custo.
“No Brasil, a esporotricose humana não é uma doença de notificação compulsória e, por isso, a sua exata prevalência é desconhecida”, afirma a veterinária Isabella Dib Gremião, do Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em Animais Domésticos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (INI/Fiocruz).
“Desde julho de 2013, devido ao status hiperendêmico da esporotricose no Rio de Janeiro, a doença se tornou de notificação obrigatória no estado. Apenas no INI/Fiocruz, unidade de referência no Rio de Janeiro, mais de 5 mil casos humanos e 4.703 casos felinos foram diagnosticados até 2015”, disse a pesquisadora. Ao todo, o órgão fez 13.536 atendimentos no ano passado – seja nos institutos públicos veterinários, em assistência domiciliar ou comunitária. Em pessoas, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro registrou no ano passado 580 casos.
Transmissão
Não se sabe como o Sporothrix brasiliensis começou a infectar os gatos. Até o aumento no número de casos no Rio de Janeiro, a esporotricose era considerada uma doença muito esporádica e ocupacional, lembra o biólogo Anderson Rodrigues, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Ela é conhecida como a “doença dos jardineiros”, pelo fato de os primeiros casos diagnosticados nos Estados Unidos no fim do século 19 terem sido entre plantadores de rosas. O fungo ocorre naturalmente no solo e sobre a superfície de plantas como a roseira. No caso norte-americano, os pacientes se infectaram ao se arranhar em seus espinhos.
No Brasil, do Rio de Janeiro, a doença se espalhou para outras cidades fluminenses, e de lá para outros estados. A recente emergência da esporotricose felina na região metropolitana de São Paulo chama a atenção dos pesquisadores da Unifesp e do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), onde 1.093 casos foram confirmados nos últimos anos.
Já há casos de esporotricose em todo o Sudeste e o Sul do Brasil. Começam também a se manifestar na região Nordeste e no exterior. Em Buenos Aires, em 2015, foram relatados cinco casos humanos positivos.
Tratamento
O medicamento de referência é o antifúngico itraconazol, de preço elevado. A cada mês e ao longo de seis meses são necessárias no mínimo quatro caixas: duas para tratar o animal e outras duas para o tutor, caso este esteja doente. Como todo proprietário de gatos sabe, por mais queridos que sejam seus bichanos eles arranham, principalmente em situação de estresse como na hora de dar remédio.
Enquanto não estiver livre do fungo, o gato pode continuar transmitindo o fungo. Após o primeiro ou o segundo mês de tratamento, geralmente as lesões desaparecem, mas o fungo, não. “A interrupção do tratamento antes de seis meses pode levar ao ressurgimento das lesões”, disse Camargo.
Não se conhece a razão pela qual os gatos são tão suscetíveis ao Sporothrix brasiliensis nem porque neles a doença é tão grave. Um gato com lesões pode ter o fungo em suas garras. Ao brigar com outro gato, um cão ou perseguir um rato, ele passa o fungo por meio de arranhaduras.
As arranhaduras nos gatos ocorrem geralmente na cabeça, local mais comum do aparecimento de lesões, mas não o único. O fungo presente nas lesões destrói progressivamente a epiderme, a derme, o colágeno, os músculos e até ossos. Além disso, o fungo pode acometer os órgãos internos, agravando o quadro clínico.
“Quando o animal chega a essas condições, é comum ele ser abandonado pelos donos. Vai para a rua e alimenta a cadeia de transmissão. Se o gato morre, ele é enterrado no quintal ou num lixão, que serão contaminados pelo fungo presente no cadáver”, disse Gremião.
Segundo a pesquisadora, além da capacidade de diagnosticar todos os casos e do acesso ao medicamento, o combate ao surto de esporotricose exige que os governos realizem campanhas educativas sobre a guarda responsável do animal.