
Uso do produto sem recomendação médica se propaga no Sudão; o objetivo é atingir um padrão de mulher mais cheinha
*Da BBC Brasil, via R7
Uma nova moda anda tomando conta da rotina de jovens sudanesas: a pílula para engordar. A descoberta foi feita pela jornalista africana Yousra Elbagir, que investigou a maneira como essas mulheres procuram substâncias proibidas para atingir os padrões de beleza vigentes no Sudão.
O remédio é vendido em pequenas lojas, que já vendem outros produtos relacionados ao mercado de beleza – como cremes clareadores de pele. As pílulas podem ser compradas individualmente e são entregues em pequenos sacos ou embalagens de doces. Também não há registro de que os produtos são entregues com informações sobre os riscos médicos.
Segundo disse Imitithal Ahmed, estudante da Universidade de Khartoum, à BBC Brasil, as pílulas são distribuídas nas vilas como se fossem balas: “Eu sempre tive medo de usá-las porque vi parentes ficarem doentes e amigos se tornarem dependentes de estimulantes de apetite”.
Ahmed informa que uma de suas tias enfrenta problemas devido ao uso indiscriminado do produto: “Minha tia está prestes a sofrer falência nos rins e está com artérias bloqueadas por tomar pílulas que engordam, na busca por um bumbum maior. Todos na família sabem que ela está doente, mas ela não admite. Ela só parou de tomar quando o médico mandou”.
Não há estimativas sobre quantas mulheres no Sudão consomem esse produto, mesmo porque a grande maioria não admite o uso dessas pílulas.
‘Mamãe desconfia’
As pílulas recebem apelidos para disfarçar o alcance real de seus efeitos. Nomes como “Terror dos Vizinhos”, “Pernas de Frango” e “Mamãe Desconfia” substituem o nome clínico dos remédios, que prometem bumbuns maiores, coxas grossas e barrigas salientes, que podem induzir as mães a desconfiarem que suas filhas estejam grávidas (daí o apelido de Mamãe Desconfia).
As substâncias contidas no produto variam de estimulantes de apetite a remédios contra alergias (conhecido por conter cortisona, um hormônio esteróide).
Os efeitos colaterais da pílula são os seguintes: diminuição do metabolismo, aumento de apetite, retenção de líquidos e depósitos extras de gordura no abdômen e no rosto.
Os danos causados pelo uso contínuo do produto podem causar danos ao coração, fígado, rins e tireóide, segundo Salah Ibrahim, presidente da Associação dos Farmacêuticos do Sudão: “A cortisona é um hormônio que já existe naturalmente no corpo, ajudando a regular as funções vitais. Quando uma versão concentrada e artificial é inserida no organismo, o cérebro ordena o corpo a parar a produção”.
‘Falência abrupta de órgãos’
Usuários que pararem de consumir o produto, podem sofrer disfunções no organismo. Alguns médicos informam que mulheres do Sudão estão morrendo por falência dos rins e problemas cardíacos, por causa da descontinuidade do uso das pílulas.
Noivas e recém-casadas são as maiores vítimas, pois passam por um período de embelezamento que dura cerca de um mês, ao se prepararem para o dia do casamento. Após isso, elas interrompem o uso das pílulas e dos cremes branqueadores, o que ocasiona os problemas de saúde.
Nas certidões de óbito registra-se, como causa da morte, a “falência múltipla dos orgãos”. Mesmo com todos esses riscos, essa tendência continua a crescer no país, principalmente na ala mais conservadora do Sudão. Como o uso das pílulas é fácil de ser escondido (e elas não possuem o mesmo estigma de outras substâncias como o álcool e a maconha), a popularização desse método de beleza só tende a crescer.
Mesmo com campanhas de conscientização sendo realizadas, inclusive nas universidades, as próprias universitárias são algumas das maiores consumidoras. Estudantes do curso de Farmácia são incentivados a agir dentro da lei, mas, num país em que os profissionais de saúde recebem pouco, a possibilidade de vender os remédios para revendedores ilegais se torna um negócio lucrativo.
Apesar da ação da polícia para prender vendedores ilegais e bloquear rotas de tráfico, os lucros de farmacêuticos irregulares têm crescido da mesma forma.
O ideal de mulher sudanesa perfeita aquela que se apresenta cheinha e com a pele clara. Ou seja, são as mulheres mais desejadas para se tornarem esposas.
Inclusive a figura de Nada Algalaa, uma cantora sudanesa, é tida como o ideal a ser alcançado. Muito elogiada e copiada, a sua aparência é tida como o status máximo, a ser alcançado custe o que custar.
Universitárias têm comprado aos montes o potente analgésico Tramadol. Cada pílula é vendida por 20 libras sudanesas (R$ 9,50).
Alguns dos vendedores de chá de beira de estrada da cidade de Khartoum são conhecidos por dissolver o analgésico em uma xícara de chá a pedido de clientes.
Campanhas de conscientização têm tido pouco impacto até agora. Salah Ibrahim tem aparecido em inúmeros programas de TV para alertar sobre os perigos do uso de remédios de tarja preta.
Nas universidades, estudantes do curso de Farmácia têm sido incentivados a agir dentro da lei. Mas, em um país onde profissionais de saúde recebem muito pouco, a tentação de vender esses remédios para revendedores ilegais muitas vezes acaba prevalecendo.
“A última vez em que fui a uma loja de produtos de beleza, o dono trouxe uma caixa de chocolates cheia de pílulas para engordar diferentes”, diz Ahmed, a estudante de Khartoum.
“As meninas têm muito receio de perguntar sobre os produtos a seus médicos e acabam comprando de outros locais, por medo de sofrerem humilhações públicas”, afirma ela.
A polícia tem prendido vendedores ilegais e bloqueado rotas de tráfico, mas os lucros de farmacêuticos irregulares têm crescido da mesma forma.
O Sudão não é o único país da África onde estar acima do peso é um símbolo de prosperidade e poder – e uma característica que aumenta as chances de uma mulher se casar.
Mas, nessa sociedade, é uma espécie de ideal de mulher sudanesa perfeita — cheinha e de pele clara — desejada como esposa.
O status de ícone de Nada Algalaa, uma cantora sudanesa cuja aparência é amplamente elogiada e copiada, é uma prova disso. Para algumas mulheres, é um ideal a ser alcançado custe o que custar.