Celina Abagge envia carta aberta a secretário da Justiça do Paraná para agradecer pedido de perdão por torturas

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no email
Compartilhar no whatsapp

Da Redação

Celina Cordeiro Abagge, uma das acusadas do Caso Evandro, ocorrido em abril de 1992, em Guaratuba, no Litoral do Paraná. (Foto: Portal Reinaldo Bessa)

Celina Cordeiro Abagge, uma das acusadas no chamado Caso Evandro, ocorrido em abril de 1992, em Guaratuba, no Litoral do Paraná, enviou nesta quarta-feira (29) uma carta aberta ao secretário da Justiça, Família e Trabalho do Paraná, Ney Leprevost, para agradecer pelo pedido de perdão feito por ele nesta semana, em nome do Estado, pelas torturas que ela e os demais acusados do crime sofreram.

Celina, hoje com 82 anos, e uma de suas filhas, Beatriz Abagge, foram acusadas pelo desaparecimento e morte do menino Evandro Ramos Caetano e foram torturadas para confessar o crime. As denúncias de torturas foram relatadas por elas no livro “Malleus – Relatos de injustiça, tortura e erro judiciário” lançado em março deste ano. Leia abaixo a íntegra da carta endereçada a Leprevost, à qual o portal teve acesso.

“Carta aberta ao Sr. Secretário da Justiça do Estado do Paraná.

Ilmo. Sr. Dr. Ney Leprevost, digníssimo Secretário de Justiça do Estado do Paraná

Senhor Secretário,

Venho por meio desta, agradecer a Vossa Excelência, pela nobre carta que me enviou e que me encheu de alegria e lágrimas – pois seu conteúdo traz reconforto e esperança quanto às autoridades do meu Estado do Paraná. Alegria e lágrimas, pois trouxe lembranças – boas e ruins. Preciso lhe esclarecer que neste caso – eu e toda minha família, sempre estivemos navegando por ondas tempestuosas, ora de imensa perplexidade e indignação, ora de excessiva esperança na absolvição (esperança quanto à verificação da falsidade da acusação que nos imputavam).


Desde o impacto inicial, com a violência indescritível ocorrida, sofremos (todos) imensas violações: violaram desde meu lar até meu corpo e integridade. Essas ondas tortuosas nos envolveram até o pescoço, quase nos afogando integralmente. Violaram minha casa (que foi saqueada e apedrejada – até ser vendida para pagar despesas processuais). Violaram a empresa do meu marido (que foi escarafunchada e destruída – até ser fechada, deixando mais de 120 famílias de Guaratuba desempregadas). Violaram outros bens (que foram perdidos e ou penhorados para pagar as despesas com advogado, perícias e até investigação sobre o que poderia ter ocorrido com aquela criança) – etc.

Perdemos economicamente tudo que possuíamos, mas as piores perdas foram do meu Pai e do meu marido Aldo – pessoas que se foram em nome da luta pela liberdade. Nesse mar de tempestade, tivemos momentos de imensa esperança – também. A bonança vinha sempre que acreditávamos ser tão claro e fácil de perceber que a acusação indicava uma conduta tão escabrosa quanto impossível de ser verdadeira (Ora, sete desconhecidos se unirem para sequestrar uma criança linda, a fim de esquartejá-la, é coisa tão inconcebível que sempre nos pareceu ser de fácil percepção).

Para nós, bastava alguém ter a grandeza de se desfazer dos preconceitos quanto às religiões africanas – para saber que sacrifícios humanos não existem e nunca existiram! Que bastava ler a peça inicial do inquérito chamada ´Dossiê Magia Negra’ para perceber o quanto de preconceito doentio ali existe – fato que afasta qualquer lógica (decente) de investigação. Para nós, bastava pensar que se os acusados haviam confessado espontaneamente (como afirmavam) a polícia nada precisava gravar em fita (cassete e/ou de vídeo). E assim por diante. Bastava ler os laudos periciais do processo para verificar que os peritos se contradiziam (um dizia que as lesões do corpo foram produzidas por animais – outro dizia que teriam sido produzidas por médicos especialistas do IML e outro, ainda, que qualquer um poderia ter feito aquilo). Bastava verificar os testemunhos das pessoas que estavam comigo e\ou com a Beatriz – no dia e hora em que disseram que estávamos a esquartejar uma criança…


Mas ninguém leu – ou percebeu aquilo que sempre esteve ali – cristalino e límpido.


Ainda bem que tudo isso ficou no passado e, que agora, aos poucos, as mudanças estão vindo. Obrigada Secretário por ter se indignado e bem usado esta perplexidade, para criação de um grupo de trabalho que traçou caminhos para os direitos humanos do futuro e para a prevenção de crimes contra crianças – no nosso Estado do Paraná. Obrigada Secretário pelo seu repúdio ao uso da máquina estatal para violar seres humanos.
Obrigada Secretário pelo pedido de perdão estatal.

Que Deus o abençoe.


Atenciosamente,
Celina Cordeiro Abagge”

LEIA TAMBÉM:

Siga-nos no Instagram para ficar sempre por dentro das notícias:

Veja Também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.