Reinaldo Bessa
Lilian Miranda é uma mulher de fala e gestos suaves, ri com facilidade e irradia serenidade. Além de empresária, ela é embaixadora da ONG internacional Mãos Sem Fronteiras no Brasil e do movimento 5 Minutos Eu Medito, que reúne adeptos da meditação e da técnica terapêutica de estimulação neural, conhecida como Digital Detox, que equilibra o sistema imunológico, nervoso e cardiovascular. Embora pareça, o termo não tem nenhuma ligação com desintoxicação do vício em telefone celular que afeta dez em cada dez habitantes do planeta. Trata-se do uso dos dedos das mãos que tocam em pontos vitais do corpo humano para estimular nosso cérebro e reconectá-lo com o eu interior de cada um. Simples assim.
Com ela funcionou, e muito. A ponto de tirá-la de uma depressão braba que quase lhe custou a vida. Lilian é a proprietária e fundadora da marca de acessórios Prata Fina. Quando fez 15 anos, trocou todas as peças em ouro que ganhou por prata, sua verdadeira paixão. “Deixava minha mãe louca”, conta. Quando cursava Direito e Psicologia simultaneamente em Maringá sempre ia às aulas coberta de prata e as amigas queriam saber de onde vinham as peças. Lilian acabava vendendo tudo e comprava outras, que logo eram vendidas também. Naquela época já sonhava em virar empreendedora e mal sabia ela que a oportunidade estava literalmente em suas mãos – sempre elas! Foi aí que teve a ideia de criar a Prata Fina, 25 anos atrás.
Lilian largou as duas faculdades e foi cuidar do negócio que cresceu feito bolo de vó. Hoje a marca possui cerca de 70 lojas no Paraná (17 delas em Curitiba), Santa Catarina e Rio Grande do Sul tocadas por parceiros – ela faz questão de dizer que não são franquias. Antes de abrir a primeira loja, na Travessa Jesuíno Marcondes, no Centro de Curitiba, que já não existe mais, vendia suas pratas de casa em casa e no trabalho das clientes, que se tornaram suas amigas.
Hoje, aos 50 anos, ela pode se dar ao luxo de dedicar 90% de seu tempo à ONG da qual é a principal liderança no país. Casada e sem filho, seu tempo é quase todo consumido com as atividades do Mãos Sem Fronteiras, o que a leva a fazer constantes viagens pelo país e para o exterior, especialmente para destinos com apelo espiritual, como o Caminho de Santiago, na Espanha, e o Nepal. Agora mesmo está em Jerusalém, pela terceira vez neste ano, onde já esteve outras 15 vezes.
Lilian começou a ter sintomas de depressão aos 21 anos, quando já residia em Curitiba. Mesmo com os negócios indo bem, sentia um vazio profundo para o qual não encontrava explicação. “Empreender e ser bem sucedido não é fácil, a mente fica em segundo plano”, diz ela. No começo dos anos 2000 buscou ajuda ao sentir que estava começando a querer desistir da vida. Lilian morava em um apartamento no 29º andar, o que representava um perigo para uma mente em desordem. Mas foi numa festa de Réveillon, em Florianópolis, a bordo de um barco, que ela ficou cara a cara com a morte. “Pensava em pular do barco a todo momento”, revela.
De volta a Curitiba, matriculou-se num curso de yoga e lá ouviu de um professor a sugestão para fazer um curso do Mãos Sem Fronteiras que havia no Hospital de Clínicas. Foi até lá sem maiores expectativas. Foi recebida pela capelã do hospital, Irmã Glaci, que a pegou pela mão e a levou para conhecer a equipe, liderada por Eliane Padovani, atual vice-presidente do MSF no Brasil. Aprendeu a técnica rapidamente e começou a praticá-la em casa. Em menos de 15 dias sentiu uma grande mudança em seu quadro psicológico a ponto de dar-se alta das sessões com seu psiquiatra. “Ele me disse que eu estava muito bem”, conta.
A partir daí, Lilian vestiu as luvas do Mãos Sem Fronteiras e virou uma voluntária disposta a não só utilizar a técnica terapêutica como a difundi-la ao maior número de pessoas. Ficou intrigada como algo tão simples podia ser tão eficaz a ponto de lhe devolver a saúde mental por completo. Diz que saiu maravilhada do primeiro encontro no hospital.
No final de 2004 viajou para o Egito para participar de um encontro internacional do movimento. Lá, conheceu a espanhola La Jardinera, fundadora da ONG, de quem se tornou próxima. Na volta passou a ir a hospitais de Curitiba para aplicar a técnica em pacientes. “Me viciei em ajudar as pessoas”. Se alguém pede sua ajuda para um atendimento emergencial, ela garante que cancela até reuniões de trabalho para atender ao chamado.
O convite para se tornar embaixadora veio em 2016, durante um evento no Teatro Fernanda Montenegro, em Curitiba, que ajudou a organizar e que contou com a presença da fundadora da ONG. Sua chácara Nossa Senhora do Pilar, em Campo Largo, abriga um espaço construído especialmente para sessões de Digital Detox, que contam com voluntários como a jornalista Dulcineia Novaes e o terapeuta e sofrólogo francês David Miramoud, embaixador do Mãos Sem Fronteiras na França. Aos finais de semana ela recebe grupos para práticas meditativas seguidas de almoço, além de funcionários estressados de grandes empresas. Neste caso, elas entram com uma contribuição financeira com a ONG. A chácara também tem um pequeno santuário. Lilian diz que todo o projeto ao qual está dedicada tem como alvo os jovens.
“Nosso foco é formar um voluntariado jovem para plantar uma semente. Os jovens têm tudo materialmente, mas não têm estrutura emocional”, diz. Não por acaso, um dos lugares onde o método é praticado é com a equipe do Hard Rock Cafe Curitiba. Também foi uma das atrações do festival de Hip Hop que aconteceu recentemente em Curitiba, com direito a um workshop sobre a técnica. O método praticado é o 3-5-3: três respirações, cinco minutos de meditação e mais três respirações. “Tá feito o exercício. O cérebro faz o resto. É como ir à academia, o músculo vem. Os problemas continuam existindo, você que muda o olhar”, ensina”.
Atualmente o movimento tem como parceiros escolas, hospitais e empresas. Uma delas é a Faculdade Inspirar, que cedeu um espaço para a ONG por iniciativa do presidente do Grupo Inspirar, Marcelo Marcio Xavier, que virou voluntário do movimento após fazer o curso da técnica neural. O espaço é usado por alunos e professores e está aberto a quem mais se dispuser. A moça de fala mansa e suave que encantava as amigas e colegas de faculdade com suas peças em prata descobriu nas próprias mãos o seu pote de ouro ao fim do arco-íris existencial
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