Reinaldo Bessa
Joel Kriger chega para a entrevista no salão de festas do prédio em que mora, na Rua Padre Anchieta, no Bigorrilho, e logo é saudado por algumas pessoas que estavam por ali. “Chegou o homem do Everest”, diz uma delas já emendando a pergunta: “Faz muito frio lá?”, ao que ele responde: “Em Curitiba é mais frio”. Ao me ouvir dizer que está famoso, ele solta um “são meus 15 segundos de fama”, com um sorriso tímido.
De cara, ganho um exemplar autografado do livro “Suba, nade, corra, pedale… e aproveite a paisagem”, escrito pelo jornalista e vereador Herivelto Oliveira, sobre suas aventuras pelo Brasil e mundo afora, publicado antes da conquista definitiva do Everest. O livro não está à venda. Em troca de cada exemplar, ele pede uma doação que é revertida em cestas básicas. Até agora já conseguiu comprar 1,4 mil delas. A meta são três mil cestas. O livro, de 432 páginas, é fartamente ilustrado por fotografias e traz uma saborosa narrativa da vida esportiva de Joel.
Nascido em Curitiba, ele é filho do casal Rosa e Berek Krieger (a grafia diferente do sobrenome deve-se a um erro do cartório). Seu avô paterno, o judeu alemão Israel Krieger, chegou a Curitiba em 1930 já casado com a polonesa Maria Krieger. Seu pai nasceu em São Paulo e a mãe, em Santos. Mas a vida dos Krieger floresceu por aqui, onde fincaram raízes.
Nos encontramos menos de um mês após ele ter alcançado o cume da montanha mais alta do planeta – com 8.848 metros de altura – como o brasileiro mais velho a chegar naquele pedacinho de chão cobiçado por aventureiros do mundo todo. Joel realizou a façanha com 68 anos – ele completa 69 no dia 26 de novembro – às 3h45min da manhã pelo horário do Nepal do dia 16 de maio. O feito foi acompanhado em tempo real por sua mulher, Simone Soifer, os três filhos e os 11 netos, em Curitiba e em outras cidades, além de amigos e sua equipe de treinadores.
Quando tocou o solo do cume, acompanhado do sherpa (guia local da escalada), após 8h01min de percurso (quatro a menos que o previsto), era noite de lua cheia, que ele contemplou como se ela estivesse ao alcance das mãos. No pouco tempo que ficou lá, cerca de 30 minutos, o suficiente para dar alguns passos e tirar algumas fotos, Joel conseguiu avistar as demais montanhas em volta, todas mais baixas que o Everest, e diz ter tido a impressão de ver a curvatura da terra. “É uma visão fantástica, só se ouve o som do vento”, descreve.
Como era madrugada, não pode ver o nascer do sol lá do alto. De bagagem, além do tubo de oxigênio, ele levou o celular, uma máquina fotográfica, as bandeiras do Brasil e de Cuba (esta, em homenagem ao cubano Carlos Fernandez, um de seus treinadores em Curitiba), uma da academia de natação Gustavo Borges, onde nada diariamente, além de uma bandeira da campanha australiana End polio now, de combate à poliomielite.
Joel conta que assim que concluiu a escalada sentou para contemplar a paisagem e que chorou muito porque se lembrou de Joca, amigo e companheiro de caminhadas nas montanhas, que o iniciara no esporte 18 anos atrás, já falecido. Além dele, se lembrou da família, dos amigos, da equipe que o ajuda a se manter em forma e da “santa da Simone”, conta aos risos, referindo-se à mulher. Não deve mesmo ser fácil ser casada com alguém que, vira e mexe, sai para uma caminhada a milhares de quilômetros de casa e leva uma vida quase monástica. Deita-se no máximo às 21h30 e acorda pontualmente às 4h da manhã para treinar até às 8h, de segunda a segunda, o que inclui natação e caminhadas. Essa rotina só é quebrada quando sai para jantar com a mulher ou vai a algum compromisso social. “Aí vou treinar cansado. Mas ainda bem que em Curitiba as festas acabam cedo”, diz.
Joel é genro do empresário Salomão Soifer e da artista plástica Guita Soifer e poderia, se quisesse, trabalhar numa das muitas empresas do sogro, com quem, aliás, se dá muito bem. Idem com a sogra, para não restar nenhuma dúvida. Aliás, conforme relatado no livro autobiográfico de Joel, seu casamento foi um show de cores. “A noiva mandou fazer um vestido laranja, o noivo usou um terno azul-celeste e o pai da noiva vestiu um terno cor-de-rosa”.
Ao ver que estava refeito da dupla emoção, o sherpa começou a apressá- -lo para descerem. Uma vez alcançado o cume, é preciso economizar oxigênio para a descida, tão difícil quanto a subida, afirma Joel. “A subida é só a metade do caminho. Descer é mais perigoso porque é mais veloz, você está mais cansado e há o perigo de escorregar”, diz. Segundo ele, as estatísticas mostram que a maioria das mortes ocorre na descida. “O mais importante é ir e voltar, senão não há como saborear a subida”, filosofa.
Antes dele, a pessoa mais velha a chegar lá foi um japonês de 85 anos, em 2013. Mas Joel não gosta de ser apontado como o brasileiro mais velho a realizar a façanha. “Me sinto jovem e tenho uma boa forma física. Não dá pra acordar de manhã e falar: vou escalar o Everest. Precisa de toda uma preparação antes”, conta. E é aí que começa sua história como aventureiro. Até os 50 anos de idade, Joel Kriger era um engenheiro da computação 100% dedicado ao trabalho. Quando escolheu a profissão que queria seguir, existiam apenas duas universidades que ofereciam o curso: a PUC do Rio de Janeiro e a Unicamp, em Campinas. Optou pela primeira.
A vida de esportista de Joel antes dos 50 anos foi curta. Começou a praticar natação com 13 anos e parou aos 18. Nadava na escola de natação de seu pai, que por anos manteve um movimentado centro aquático no bairro do Batel e foi um dos fundadores do Clube do Golfinho, celeiro de nadadores e campeões na cidade. Desde que pendurou a touca, passou a levar uma vida totalmente sedentária. Até que um colega de trabalho e amigo, João Carlos Angelini, o Joca, “mais que um amigo, um irmão”, o incentivou a começar a praticar montanhismo. Joel tinha na própria família motivos para topar o desafio proposto. Seu pai morreu de enfarte com a mesma idade dele hoje.
Em 2003, ele e Joca foram para Machu Picchu, no Peru, para se aclimatar à altitude. Depois, durante uma viagem de trabalho à China aproveitou para ir ao Nepal fazer trekking. Estava novamente acompanhado por Joca e pelo alpinista Vítor Negretti, que já havia escalado o Everest. Negretti foi como guia da empresa contratada pela dupla para realizar a caminhada na neve.
A partir daí, começaria uma maratona de escaladas dos chamados sete cumes, subindo as montanhas mais altas do planeta, sempre de olho na maior delas. Joel não se considera alpinista, mas montanhista. Antes de chegar ao topo do Everest ele gastou muita sola de sapato. Ou melhor, de botas especiais. Com exceção da montanha do Nepal, todas as demais são escaladas caminhando, o que Joel chama de escalaminhadas. “Você caminha subindo”, diz. Ele fez a caminhada do acampamento base do Everest cinco vezes e tentou escalá-lo três vezes. A primeira em 2013, quando chegou a 8.500 metros; a segunda em 2017 e a terceira em 2018, ambas interrompidas quase no final também. Uma pneumonia o obrigou a abortar a trajetória. Mas como estava decidido a chegar lá, voltou para casa e dedicou-se com mais afinco aos treinos, até conseguir seu objetivo.
E agora, Joel? Eis a pergunta drummondiana. Bem, agora ele não tem mais onde subir. O próximo desafio está previsto para julho de 2023: atravessar o Canal da Mancha, entre Inglaterra e França, que ele já tentou cruzar três vezes – na última delas, em 2019, chegou a 800 metros da costa francesa – e participar do Iron Man no Havaí. Serão 3,8 mil metros no mar, 180 quilômetros de pedaladas e uma maratona ao final. Se o desafio de atravessar o Canal da Mancha for bem sucedido, Joel o concluirá a quatro meses de completar 70 anos de idade e também será o brasileiro mais velho a conseguir tal feito. Para garantir que desta vez será para valer, ele diz que levará junto o filho Ilan com ordens expressas para não deixá-lo desistir. Fim da linha? Que nada. Depois ele quer reunir os quatro netos mais velhos para caminhar no Kilimanjaro, na África, uma das sete montanhas que subiu para, como diz, “quem sabe despertar neles essa vontade”. Pelo visto, “a santa da Simone” terá muita aventura da família pela frente para acompanhar.
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