O Paraná lidera o número de novas ações na Justiça relacionadas à posse de drogas para consumo pessoal, com 61,28% entre 2022 e 2023. Os dados inéditos são do DataJud, o painel de estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O percentual ficou acima do índice nacional, de 12,45%. O volume de processos novos no estado neste período variou de 7.505 a 12.104. E ao menos entre janeiro e abril deste ano, o acumulado era de 5.989 casos novos. Já a variação no Brasil entre 2022 e 2023 foi de 130.034 para 146.228. Em 2024, até o mês de abril, o volume já havia chegado em 44.228 novos processos.
O montante de ações diz respeito ao registro processual “Posse de Drogas para Consumo Pessoal”, referente ao código 5885. O CNJ também conta com o registro “Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar” relacionado ao código 11.207. Em meio aos debates no STF (Supremo Tribunal Federal) e no Congresso Nacional sobre a melhor forma de diferenciar a posse do tráfico de maconha, o próprio sistema judicial também não faz a separação por completo ao catalogar as novas ações que surgem no Judiciário sobre as drogas.
De acordo com especialistas, o fato de o STF não ter estabelecido um critério preciso para a diferenciação da posse e do tráfico de maconha faz com que siga em uma tendência de alta a quantidade de novos processos relacionados à posse de drogas. “O julgamento no final de junho estabeleceu apenas a quantidade como critério objetivo, sem tocar na circunstância de histórico de usuário, tipo de substâncias ou mesmo a forma de acondicionamento. Uma vez que muitas autoridades policiais têm o entendimento que caso a substância esteja fracionada configura tráfico e não posse, o que é absurdo, pois o entorpecente é comprado ou adquirido de forma fracionada”, afirma a advogada criminalista Samantha Aguiar, do escritório VLV Advogados.
O entendimento do Supremo foi de que a posse de drogas pode ser considerada uma infração administrativa. Já na Câmara dos Deputados, tramita a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 34/23 que busca incluir a criminalização das drogas no artigo 5º da Constituição. Apesar de já estar prevista na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), o novo texto deixa claro que não há possibilidade de flexibilização. Para a criminalista, a proposta tem fins políticos e está desprendida da realidade. “A bem da verdade, parece mais perseguir o usuário do que de fato um combate ao tráfico de drogas. Não há qualquer elemento normativo de combate ao tráfico, mas de criminalizar o usuário. Também não há qualquer informação de avanço a políticas públicas para cuidar e acolher quem desejar ser acolhido para tratamento. Sequer temos unidades de tratamento adequadas no país. O tratamento público é feito pelo CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e precário tanto em estrutura quanto como objetivo final de que essa pessoa não venha a ter uma recaída”, aponta Samantha.
Na opinião do também criminalista Carlos César Coruja Silva, do escritório Carlos Coruja, a falha do STF e do Congresso em buscar reduzir o volume de processos em tramitação relacionado às drogas gera uma sobrecarga no sistema judicial e insegurança jurídica. “A variação no número de processos entre estados sugere diferenças na aplicação da lei e na política de drogas, o que pode levar a tratamentos desiguais de casos semelhantes em diferentes regiões do país”, acrescenta.
Outro ponto abordado pelos especialistas frente ao aumento no número de processos novos na Justiça é que a criminalização da posse de drogas leva à estigmatização dos indivíduos, especialmente daqueles das classes sociais mais baixas. A distinção entre usuário e traficante nem sempre é clara na prática jurídica e muitas vezes depende de decisões tomadas de forma individual pelas autoridades policiais. Isso pode resultar na criminalização excessiva de pessoas que são apenas usuárias.
O advogado Carlos Coruja acrescenta que a solução para esse problema não deve envolver apenas o aspecto legal. A Justiça e os legisladores deveriam estar atentos às consequências sociais e à saúde pública. “É necessário um diálogo aberto e inclusivo que considere as diversas perspectivas e experiências, buscando soluções que minimizem os impactos negativos e promovam uma abordagem mais humanitária e eficaz no tratamento do uso de drogas”, frisa.
Para Matheus Lima, advogado criminalista do escritório Lima Ferreira Advogados, o ideal é que o foco na saúde pública tomasse o lugar da ideia de que deve ser promovida uma guerra contra as drogas. “Obviamente, há a necessidade de combater o tráfico, conforme determinou o legislador. Entretanto, o mero usuário é mais uma vítima dos efeitos da droga do que uma ameaça à sociedade. Por isso, entende-se que seria necessário focar as atenções nos traficantes, daí a importância da diferenciação”, finaliza.