No Jornal Nacional, Lula admite equívocos de Dilma e aponta Alckmin como símbolo de moderação
(Texto reescrito e atualizado com informações e declarações)
Por Maria Carolina Marcello e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) -O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aproveitou esperada entrevista ao Jornal Nacional, nesta quinta-feira, para se descolar da gestão econômica da sucessora Dilma Rousseff ao reconhecer o que chamou de equívocos da ex-presidente na questão dos preços dos combustíveis, e para demonstrar, como sinal de moderação, sua afinidade com o vice Geraldo Alckmin (PSB).
“Eu acho que Dilma cometeu equívoco na questão da gasolina. Ela sabe que eu penso isso”, admitiu o ex-presidente ao ser questionado sobre os problemas econômicos enfrentados por sua sucessora, como inflação alta e disparada da dívida pública.
No governo de Dilma, a variação dos preços internacionais dos combustíveis era repassada de forma defasada aos valores praticados no país, numa tentativa de segurar o aumento da inflação, o que acabou provocando prejuízos à Petrobras.
Lula, no entanto, também é crítico da atual política de preços de combustíveis da estatal –que acompanha o preço do petróleo no mercado externo– e já adiantou que pretende adotar uma nova abordagem, que leve em conta os “custos nacionais”, e não os preços internacionalizados.
A regra atualmente adotada foi instituída no governo do ex-presidente Michel Temer. Sob alegação de que o controle de preços rígido implementado no governo Dilma gerou prejuízo para a empresa e inibia investimentos, passou-se a adotar uma política que acompanha o preço do petróleo no mercado externo, combinado com a variação do dólar, com reajustes frequentes.
Lula, que relatou ter conversado com Dilma no fim de semana em comício em São Paulo, também disse discordar da política de desoneração de setores econômicos adotada no governo dela.
“Eu acho que cometeram equívoco na hora que fizeram 540 bilhões de desonerações e isenção fiscal de 2011 a 2040”, disse ao JN.
Questionado pelos âncoras do telejornal qual seria sua estratégia para evitar a repetição dos mesmos erros, afirmou que pretende retornar ao Planalto “para fazer melhor” do que em suas gestões anteriores. Ponderou, ainda, que a então presidente enfrentou uma “dupla dinâmica” quando tentou consertar alguns erros: o presidente da Câmara da época, Eduardo Cunha, e Aécio Neves, que naquela ocasião era senador pelo PSDB de Minas Gerais.
CORRUPÇÃO, CIÚMES E SUSPENSE
Questionado logo de cara no começo da entrevista sobre um dos temas-chave da campanha, a corrupção que marcou os governos do PT, Lula afirmou que os casos de irregularidades só vieram à tona porque puderam ser investigados sem interferência, e garantiu que seguirá adotando mecanismos de combate ao crime.
Ao comentar a escolha do ex-governador de São Paulo e antigo adversário político Alckmin para o posto de vice em sua chapa Lula afirmou que seu partido aceitou “de corpo e alma” o novo aliado, que já enfrentou o petista na corrida presidencial no passado quando integrava o PSDB.
Lula afirmou entender que Alckmin pode ajudar na interlocução com setores mais resistentes ao campo progressista.
O ex-presidente chegou a brincar dizendo que sentia “ciúmes” da acolhida que Alckmin teria recebido em seu partido.
Na campanha, Alckmin tem ganhado protagonismo. Além de cumprir agendas ao lado de Lula, tem mantido reuniões com interlocutores de setores da economia, como varejo e agronegócio.
Já sobre a indicação do novo procurador-geral da República, caso saia vitorioso das urnas em outubro, Lula disse preferir fazer um suspense e deixar “uma pulguinha atrás da orelha”. O petista evitou se comprometer com a lista tríplice de mais votado do Ministério Público Federal para a escolha, mas garantiu que não irá escolher “amigo” ou um “engavetador” para o posto. Acrescentou ainda que, se eleito, irá discutir os critérios da indicação com o MPF.
“Eu não quero amigo no Ministério Público, não quero amigo na Polícia Federal, no Itamaraty”, disse Lula aos âncoras do telejornal, acrescentando que quer pessoas “competentes”, “ilibadas” e que “pensem no povo brasileiro”.
Quando abordou seu planos para evitar casos de corrupção em uma eventual gestão, Lula afirmou que seguirá criando mecanismos para instigar “qualquer delito” que ocorra na máquina pública.
O ex-presidente defendeu que pessoas que tenham cometido irregularidades sejam investigadas, julgadas e punidas ou absolvidas, sem que isso implique na destruição de empresas, citando casos de companhias impactadas pela operação Lava Jato. Lula foi condenado e preso no âmbito da operação, mas teve as penas anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou haver parcialidade e vícios nos processos.
ORÇAMENTO SECRETO
Lula reconheceu, ainda, que o próximo presidente terá de inevitavelmente conversar com o Congresso e com partidos, com a ressalva de que o centrão, grupo político fortalecido nos últimos anos, não é uma legenda.
O petista não deixou de criticar o chamado orçamento secreto, um dos mecanismos que mais deu força ao grupo político, que tem no presidente da Câmara, Artur Lira (PP-AL), um de seus principais líderes. O instrumento de destinação de recursos a partir das emendas de relator ao Orçamento da União ficou conhecido como “orçamento secreto” diante da dificuldade de se identificar os autores do repasse dos recursos.
Lula referiu-se ao instrumento como “moeda de troca” e “usurpação de poder”, avaliando que da forma como está configurado, estabelece um semi-presidencialismo em que é o presidente da Câmara quem tem poder de decisão. O petista disse que uma das tarefas, caso ganhe a disputa, é desmontar o mecanismo a partir de articulação e conversas com os parlamentares.
Sobre empresários do agronegócio que se mantêm arredios à sua candidatura, o petista sustentou que aqueles “sérios” dentro do setor, interessados em exportar, não querem ficar ligados ao desmatamento.
Para ele, é possível estimular a exploração da biodiversidade aliada à geração de emprego, assim como há possibilidade de convivência pacífica entre proprietários rurais e o Movimento Sem Terra (MST).
“É extremamente importante a convivência pacífica dessa gente”, defendeu.
Lula comentou ainda, na entrevista, que “feliz era o Brasil e a democracia” quando a polarização ocorria entre PT e PSDB, explicou que o tratamento à época ocorria nos termos de adversários políticos e não como inimigos, e alertou para a importância de não se estimular o ódio.
Quando a entrevista chegou ao tema da política externa, Lula destacou a necessidade do respeito à autodeterminação dos povos, acrescentando que “cada país cuida do seu nariz”. Avaliou, ainda que o país voltará a receber “amigos” estrangeiros caso alcance a vitória nas eleições.
O petista utilizou, ainda, os minutos finais da entrevista para prometer um instrumento de renegociação de dívidas de pessoas físicas. Segundo ele, a maior parte dos endividados são mulheres.
(Edição de Pedro Fonseca)