A operação Fake Care do Ministério Público do Paraná estremeceu a prefeitura de Fazenda Rio Grande e o Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Mas a ação policial pode ser apenas a ponta do iceberg de um esquema criminoso com ramificação em outras cidades. O temor escalou após o burburinho que o MP tem imagens da negociata e do pagamento de propina.

E de fato. O Blog Politicamente apurou que os promotores têm fotos de um encontro dos investigados dentro de uma casa. As imagens mostram bolsas e pacotes, que seriam de dinheiro de propina, sendo trocadas entre os participantes — entre eles, o prefeito Marcondes. A suspeita é reforçada com a quebra de sigilo bancário, autorizado pela Justiça. Os dados bancários mostram que após a reunião, alguns dos investigados depositavam dinheiro em espécie na conta — inclusive o prefeito Marco Marcondes, que foi preso preventivamente.
Uns tinham o cuidado de fazer depósitos fracionandos para tentar escapar do COAF, outros sequer temiam ser descobertos. A cautela, no entanto, foi em vão.
A prisão do prefeito Marco Marcondes e do Secretário Municipal da Fazenda, Francisco Roberto Barbosa, repercutiram no mundo político e especialmente na cidade da região metropolitana. A ação do Gaeco dentro do gabinete de Marcondes na Prefeitura de Fazenda Rio Grande, em busca de documentos e computadores, rendeu comentários na Câmara Municipal, que chegou a transferir, por motivo de força maior, a Sessão Solene, que estava programada para ocorrer nesta quinta-feira.
No Centro Cívico, os desdobramentos também foram sentidos. O auditor de Controle Externo do TC, Alberto Martins de Faria, foi preso. Ele estava de licença sem vencimentos das funções desde fevereiro de 2025, para tratar de interesses particulares. O último salário pago a ele, segundo o portal do TC, foi de R$ 29.179,08.
A operação Fake Care revela que o polpudo salário na Corte de Contas era ínfimo perto do esquema, que segundo o MP, era comandado por Alberto Martins de Faria e teria causado um prejuízo ao erário de Fazenda Rio Grande de mais de R$ 10 milhões. O rombo pode ser maior, já que a empresa AGP Saúde, alvo do Gaeco, teve contratos em outros 7 municípios do Paraná.
Uma fonte do Blog Politicamente, ligada à investigação, conta que o esquema pode ter desviado algo em torno de R$ 30 milhões.
R$ 10,3 milhões em contrato
A investigação foi bastante célere. Em seis meses, o caso foi apurado e a operação deflagrada com o cumprimento de cinco mandados de prisão preventiva, sem tempo de duração, outros seis de busca e apreensão na residência e na sede de empresas. As ordens de prisão foram deferidas pelo desembargador Kennedy Josue Greca de Mattos, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná. O caso está no TJ porque o prefeito Marcondes tem prerrogativa de foro.
Além dos já citados, foram presos Samuel Antônio da Silva Nunes, sócio de empresa AGP Saúde, e Abrilino Fernandes Gomes, que é comentarista esportivo e teria ligação com a empresa. Os promotores apreenderam cerca de R$ 200 mil em dinheiro, computadores, celulares e documentos.
O esquema criminoso começa fora do Paraná, no Estado de Santa Catarina, e é importando, desembarcando, segundo as apurações do MP, na cidade de Contenda. Lá, Abrilino Fernandes Gomes exercia a chefia de gabinete.E de Contenda, a atuação da quadrilha se expandiu. Em Fazenda Rio Grande encontrou solo fértil.
O Blog Politicamente teve acesso a cópia de uma ata da reunião extraordinária na sede da Secretaria da Saúde de Fazenda Rio Grande, no dia 6 de dezembro de 2023, que mostra que “foi apresentado um vídeo do funcionamento do atendimento à população na realização de exames em domicílio no município de Contenda”.
A AGP Saúde fechou três contratos com a gestão de Marco Marcondes — dois em 2024 e um em 2025, que juntos, totalizam R$ 10,3 milhões. Todos por inexigibilidade de licitação — um dos motivos de questionamentos e suspeitas do MP.
Chama a atenção que o último contrato foi assinado em 19 de março de 2025 e, em praticamente um mês, a empresa recebeu R$ 2,2 millhões da prefeitura — quase 50% de todo o contrato, que tinha prazo de apenas seis meses, podendo ser prorrogado. Pelo contrato, 047/2025, a empresa deveria fazer 30 mil exames a um custo unitário de R$ 152,65 — chegando aos R$ 4,5 milhões.
A empresa foi contratada para “testagem domiciliar de doenças pré-existentes com levantamento e análise estatística, mediante testes sanguíneos, de urina e físicos, atendendo a demanda dos Programas de Saúde Preventiva da Secretaria Municipal de Saúde”. Nas palavras de uma fonte ouvida pelo Politicamente, “era uma falsa impressão de investimento em saúde”, já que havia um completo descontrole dos exames que eram feitos e pagos pela prefeitura.
A AGP Saúde pertence a Samuel Antônio da Silva Nunes, mas segundo a investigação, era apenas uma empresa de fachada que ocultava o verdadeiro líder intelectual do esquema: o auditor Alberto Martins de Faria. Ele teria três empresas que não apareciam formalmente, mas recebia parte do dinheiro da AGP Saúde. Uma delas, inclusive, teria sido usado para lavagem de dinheiro.
O esquema
O esquema funcionava da seguinte maneira: a empresa AGP Saúde era contratada por inexigibilidade de licitação para a execução do serviço de coleta de exames laboratoriais em domicílio na cidade de Fazenda Rio Grande. Mas o valor cobrado, segundo o MP, era maior do que o praticado no mercado, provocando um superfaturamento, e sem qualquer pedido médico, o que contraria a política do SUS (Sistema Único de Saúde).
Exames eram feitos na rua, em pontos de ônibus, na casa das pessoas, mas sem qualquer tipo de controle. Parte do serviço contratado era, efetivamente, prestado, mas não havia o controle sobre os exames realizados e nem o agendamento de consultas no posto de saúde. Alguns exames como a glicemia, por exemplo, o resultado saia na hora. E as pessoas faziam os exames sem qualquer orientação médica.
Para o MP, o prefeito Marcondes e o atual secretário da Fazenda Francisco Roberto Barbosa, que era responsável pela pasta da Saúde da cidade em 2024, autorizaram o processo de dispensa de licitação da empresa AGP Saúde, dando todo o suporte para a contratação por inexigibilidade de licitação.
E Abrilino Fernandes Gomes era quem fazia a intermediação entre algumas prefeituras e a empresa, atuando como uma espécie de lobista e recebendo por isso.
Os próximos passos
O caminho do dinheiro foi uma das estratégias da investigação. Segundo uma fonte ouvida pelo Politicamente, a prefeitura pagava para a empresa AGP Saúde que por sua vez, remetia para a empresa do auditor que lavava dinheiro numa outra empresa, inclusive com a compra de veículos de luxo e também em criptomoeda.
Nesta sexta-feira, os cinco, que estão presos na Cadeia Pública de Curitiba, vão passar por uma audiência de custódia e em seguida começa a fase de depoimentos. O MP deve apresentar denúncia criminal ainda no mês de outubro e, em seguida, ações cíveis de improbidade administrativa contra os investigados.
Outro lado
Após a deflagração da operação do MP, a defesa dos presos se manifestaram sobre o caso. A Prefeitura de Fazenda Rio Grande informou que está acompanhando o andamento do procedimento envolvendo a empresa contratada. E que todas as informações e documentos solicitados pelas autoridades competentes foram prontamente fornecidos. Por fim, cita quye a administração municipal permanece colaborando integralmente com as investigações e reforça seu compromisso com a transparência e o respeito à legalidade, como sempre pautou suas ações.
Também em nota, o Tribunal de Contas informou que vai colaborar com a investigação do MP e que o auditor estava afastado desde o início do ano em licença não remunerada. Por meio de nota, disse ainda quando a invetsigação for concluída, o caso será remetido à Corregedoria-Geral do TC para que sejam tomadas todas as providências legais.
O advogado Rafael Guedes de Castro, que defende Abrilino Fernandes Gomes, conhecido no meio esportivo como Fernando Gomes, afirmou que o cliente “goza da presunção de inocência, princípio fundamental consagrado na Constituição Federal, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Diz ainda que a defesa acompanha atentamente o caso e confia que todos os fatos serão devidamente esclarecidos dentro da legalidade e do mais absoluto respeito à Justiça.
“Neste momento, pedimos serenidade e respeito à pessoa de Fernando Gomes e à sua família, evitando julgamentos precipitados e preservando o direito de defesa e a dignidade humana”.
O Blog Politicamente não conseguiu contato com os demais investigados. O espaço segue aberto para manifestação.