Quais são os números que assombram Lula?
Terminado o período eleitoral, Lula (PT) começa a se preparar para a transição e para assumir o governo. No entanto, existem algumas barreiras que devem ser superadas para que o novo mandatário leve adiante suas propostas. Apresento, aqui, alguns números que estão de alguma forma assombrando o recém-eleito.
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Eleitorado
Vivemos no dia 30 de outubro o segundo turno mais apertado da história do Brasil, com ambos os candidatos batendo recordes em suas votações. Lula conquistou 60.345.999, representando 50,9% dos votos, e Bolsonaro (PL) 58.206.354, significando 49,1% dos votos. Temos ainda 1.769.678 votos em branco (1,43%), 3.930.762 votos nulos (3,16%) e 32.200.470 abstenções (20,59%). Ou seja, o contingente de eleitores que não optou por Lula é maior do que aqueles que ativamente o fizeram.
Na primeira vez em que foi eleito, em 2002, Lula fez 52.793.364 de votos, representando 61,27% dos votos, ante 33.370.739 de votos de José Serra (38,73%). Nessa eleição Lula venceu em todos os Estados, com exceção de Alagoas. Agora, em 2022, Bolsonaro venceu em todas as regiões do País, exceto no Nordeste.
O processo eleitoral que mais se assemelha a este em termos de proximidade entre os dois principais adversários e em campanha eleitoral pautada em aspectos negativos foi o de Dilma e Aécio Neves.
Capacidade de mobilização popular
Ainda estão frescos na memória os movimentos de 2013 que mostravam desacordo com os valores do transporte coletivo e logo evoluíram para reclamações mais amplas de corrupção, gastos e desvios gerados pela construção dos estádios para a Copa do Mundo e os pedidos de impeachment da ex-presidente Dilma, em 2015. Depois de um longo período de hibernação, os eleitores mais alinhados com valores de direita e centro-direita voltaram a ocupar as ruas para manifestar e protestar (devido à atuação do judiciário, por exemplo), bem como para apoiar o governo vigente (7 de setembro). Traduzindo, se o monopólio de mobilizações populares em um dado momento parecia pertencer às forças de esquerda, já não o é mais. Inclusive, dependendo dos rumos seguidos, o governo Lula poderá enfrentar uma forte e barulhenta resistência.
Apoio no congresso
O domínio regional obtido por Lula nesta eleição é menor do que o conquistado em 2002, o que também é uma verdade em relação ao apoio de senadores e deputados.
Podemos enxergar a necessidade de apoio do parlamento em 3 etapas:
- Impeachment: Para que um pedido de impeachment avance é necessário que 342 deputados e 54 senadores estejam de acordo. Para conseguir barrar qualquer situação nesse sentido, o presidente precisa de um mínimo de 172 deputados e 28 senadores votando contrariamente. Olhando para as bancadas eleitas junto com o PT chegamos a 123 deputados. Já no senado o cenário é um pouco melhor sendo possível contar com 27 dos 81 senadores.
- Votações de leis ordinárias: Superada a barreira do impeachment é necessário ter condições de levar as propostas de campanha adiante, para isso uma série de projetos de lei devem ser apresentados por iniciativa do governo, porém para aprovação são necessários votos de 257 deputados e 41 senadores.
- Emendas à constituição: Os números aqui ficam mais elásticos e a necessidade de buscar apoios cresce. Para conseguir aprovar emendas constitucionais é necessário apoio de 308 deputados e 49 senadores.
Necessidade | Votos que já possui | Votos a conquistar | Diferença |
Impeachment | 123 Deputados 27 Senadores | 172 Deputados 28 Senadores | 49 Deputados 1 Senador |
Votações de leis ordinárias | 123 Deputados 27 Senadores | 257 Deputados 41 Senadores | 134 Deputados 14 Senadores |
Emendas à constituição | 123 Deputados 27 Senadores | 308 Deputados 49 Senadores | 185 Deputados 22 Senadores |
Para superar esse difícil cenário de falta de apoio congressual é provável que Lula utilize de alguns expedientes dentro do campo institucional: distribuir ministérios, autarquias e demais cargos para uma gama maior de partidos do que daqueles que o apoiaram. Veremos tanto partidos que se mantiveram de alguma forma neutros quanto também aqueles que faziam parte da coligação de Bolsonaro serem agraciados com altos cargos na administração.
Outro caminho para obter esse apoio (que não exclui o primeiro) é a manutenção do tão criticado e verdadeiramente nefasto orçamento secreto (emendas do relator). A baixa renovação parlamentar que acompanhamos este ano nos indica que o acesso a esse tipo de recurso garante uma competitividade maior para quem já ocupava mandato (somando os recursos do fundo partidário e eleitoral, obviamente). Sendo assim, é pouco provável que o governo Lula com essa necessidade de conquistar apoio consiga retomar o controle orçamentário que em parte foi entregue ao parlamento.
Orçamento
Para levar adiante parte das propostas realizadas durante a campanha, a comissão de transição petista já tem negociado a possibilidade de conseguir uma autorização para aumentar ainda mais o déficit orçamentário. O pedido gira em torno de 125 a 200 bilhões de reais, que se somariam ao atual déficit de pouco mais de 63 bilhões.
Se considerarmos ainda as possíveis isenções e alterações tributárias prometidas e as realizadas em outros mandatos, podemos chegar a números que superam 400 bilhões de déficit, que pelas sinalizações atuais seriam supridos com o aumento da emissão de dívida (títulos do tesouro) e não com reorganização de outras despesas ou com reformas. Caso esses números se confirmem, teremos uma dificuldade enorme em conseguir conter a inflação, que como visto foi umas das responsáveis por corroer ainda mais a popularidade de Bolsonaro e de tantos outros líderes pelo mundo. Nesse sentido, o pacote de bondades iniciais pode se converter em crise logo mais.
O mundo, o congresso, os eleitores e o orçamento são muito diferentes do que aqueles encontrados por Lula em seu primeiro mandato. A necessidade de conduzir um governo mais amplo, moderado e responsável é ainda maior, mas os sinais que temos recebido da comissão de transição e da direção do PT vão em sentido oposto. Esperamos que após a ressaca eleitoral os ânimos se acalmem e o bem do Brasil seja o verdadeiro norte, mas confesso que sigo cético.
Sobre o colunista
Jeulliano Pedroso é sociólogo, formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e mestrando em Antropologia Social também pela UFPR. Atualmente é Analista-chefe na Brasil Sul Inteligência.