A fêmea nasceu em dezembro com aproximadamente 800 gramas e já está pesando 2,6kg
A onça-pintada (Panthera onca) fêmea nascida no dia 28 de dezembro de 2016, no Refúgio Biológico Bela Vista (RBV), passou pela primeira pesagem na manhã desta segunda-feira (9). O manejo aconteceu durante uma limpeza do recinto onde mãe e filha estão acomodadas. O filhote pesa 2,6kg, dentro do previsto pelos profissionais do RBV. O nascimento inédito no local ocorreu três meses após aproximação entre o macho Valente, morador antigo do refúgio, e a fêmea Nena, recém-chegada de uma fazenda na divisa entre Mato Grosso do Sul e Goiás.
O filhote é melânico como a mãe, ou seja, tem a pigmentação negra em função da quantidade de melanina. De acordo com o médico veterinário do RBV, Wanderlei de Moraes, o filhote está saudável, com os olhos abertos e respondendo bem aos estímulos. A onça deve ter nascido com 700 a 900 gramas e está com um bom peso.
“A gente nota que ela está bem gordinha e reagiu quando a pegamos. Os olhos foram abertos antes dos 15 dias, como era esperado”, resumiu. Ainda assim, no primeiro mês de idade, o filhote só tem contato com os tratadores e pesquisadores do RBV.
A onça-pintada nasceu de uma ninhada de dois filhotes, nos dias 28 e 29 de dezembro. O outro filhote, também uma fêmea, foi encontrado morto no dia 1º de janeiro. Segundo Moraes, uma das hipóteses é que a mãe, ainda sem experiência em cuidar dos filhotes, tenha se deitado em cima de um deles. Outra teoria é que a mãe tenha tentado proteger os recém-nascidos do barulho dos fogos, na virada do ano, deitando sobre eles.
“Nós ficamos tristes com a perda de um dos filhotes, mas na natureza isso é bastante comum”, explica Moraes. De acordo com ele, entre os felinos e outras espécies de animais são normais as ninhadas com muitos filhotes, porque nem todos chegarão à vida adulta. “É um mecanismo de defesa para perpetuação da espécie, que no cativeiro acaba não acontecendo, porque nós tomamos os cuidados, tentando fazer que todos os filhotes sobrevivam”.
Simulação da vida selvagem
Depois de feita a pesagem, o filhote de onça-pintada voltou ao contato com a mãe. Nena está isolada e fora de exposição desde o final da gestação, no início de dezembro passado. O principal cuidado no manejo é não estressar os animais e acompanhar, de tempos em tempos, se o filhote está saudável e se desenvolvendo.
Mãe e filha ficarão juntas por pelo menos seis meses até que o filhote tenha condições de se alimentar sozinho e nadar, para que as duas possam ficar soltas na área de exposição, onde existe um pequeno lago. Como acontece na natureza, a filha não entrará em contato com o pai e, possivelmente, será levada para outro refúgio quando estiver na idade adulta.
De acordo com Moraes, desde a aproximação de Nena e Valente até o cuidado com o filhote, todo o trabalho tem obedecido à bibliografia sobre manejo de animais e buscado simular o que acontece na natureza. O primeiro contato entre Nena e Valente, por exemplo, aconteceu duas semanas depois de eles já se “conhecerem” pelo som e pelo cheiro. “A gente trocou Nena e Valente de habitat, para que eles sentissem o cheiro um do outro. Isso, inclusive, acelerou o cio dela”, conta. Nena e Valente cruzaram apenas uma semana após o primeiro encontro.
O manejo da mãe e da filha segue o mesmo roteiro. Na natureza, explica Moraes, a onça-pintada é um animal territorialista, isto é, a fêmea só invade o território do macho para cruzar. Depois que termina o cio, ela sai para, caso esteja prenha, ter a cria sozinha. Ela cuida do filhote por cerca de dois anos, quando ele atinge idade para se virar sozinho. Então, a mãe expulsa o filhote de seu território, volta a entrar no cio e procurar o macho. O filhote terá que buscar sozinho a forma de sobreviver e, quando estiver na idade adulta, se reproduzir.
Na vida em cativeiro, a fase de dispersão (quando a mãe abandona o filhote) é simulada separando-se mãe e filha de tempos em tempos. Quando, finalmente, a nova onça tiver idade para viver sozinha, ela deve ser encaminhada para outra instituição. Nena voltará a conviver com Valente e poderá entrar no cio novamente, fazendo o ciclo da vida continuar.
Conservação da espécie
De acordo com especialistas, a perda e a fragmentação dos habitats são as principais causas do declínio da população das onças-pintadas. Com a perda do local natural, fica cada vez mais difícil para as onças buscar o próprio território. Assim, elas acabam invadindo fazendas e áreas urbanizadas. Como exemplo, Moraes sugere o caso dos pais da onça-pintada recém-nascida no RBV.
Nena e Valente têm histórias parecidas. Ambos são órfãos e foram achados muito novos, fora do habitat natural. Valente, hoje com nove anos, foi encontrado em uma fazenda, no Mato Grosso do Sul, na divisa com São Paulo. Nena, que tem três anos de idade, também veio do Mato Grosso do Sul, na divisa com Goiás. “Quando ela foi achada, estava faminta ao lado da carcaça do gado que tinha sido abatido pela mãe, uma semana antes”, conta.
Por este motivo, explica o médico-veterinário, a proteção dos habitats naturais da onça-pintada é a preocupação primordial para conservação desta espécie de felino que ocorre desde o Sul dos Estados Unidos até a Argentina. De acordo com uma publicação da revista Scientific Reports, em novembro do ano passado, a onça-pintada já perdeu 85% de seu território natural, na Mata Atlântica. Das florestas que sobraram, apenas 7% estão em bom estado de conservação, com tamanho e alimentos suficientes para abrigar a espécie. Estima-se que restem na Mata Atlântica apenas 300 indivíduos.
Daí a importância também de reproduzir em cativeiro, trabalho que começou agora com o nascimento da primeira onça-pintada no Refúgio de Itaipu, que já tem experiência com a reprodução de outras espécies como harpia, anta, veado-bororó, cervo-do-pantanal, entre outros. “Ficamos felizes com a reprodução, após 14 anos de tentativa”, conta Moraes, “isso mostra que as instalações do RBV são adequadas, assim como o manejo e a alimentação”.
Desde 2002, com a chegada da primeira onça-pintada, Juma, já se pensava em reproduzir esta espécie. Depois veio Tonhão, para fazer par com Juma, mas não houve reprodução. Em seguida, Valente e Teka. Em setembro de 2016, junto com Nena, chegou uma onça-pintada macho, que tem a mesma idade dela, mas está separada dos outros animais. Juma morreu no início de 2016, já com idade avançada, e Tonhão e Teka foram conduzidos para outros zoológicos.
O próximo passo é aumentar o contato com outras instituições que também criam onça-pintada em cativeiro para fazer a troca de exemplares do animal e contribuir com a reprodução do animal fora do ambiente natural. “No futuro, queremos devolver este animal à natureza, mas para isso precisamos de muito trabalho de campo. O nosso papel estamos cumprindo, que é o de reproduzir o animal em cativeiro”, conclui Moraes.
A reintrodução da onça-pintada no meio ambiente é um sonho antigo dos conservacionistas. Em dezembro do ano passado, o Projeto Onçafari, em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) conseguiu devolver duas fêmeas à natureza, em uma região do Pantanal, no Mato Grosso do Sul. Elas tinham sido capturadas jovens e foram criadas em cativeiro. Até hoje, não se tem notícia de onças nascidas em cativeiro que foram reintroduzidas ao meio natural.