Cinebiografia de serial killer mostra que a violência pode vir também do lado angelical
Cotação: ★★★½
No começo deste ano, a série documental Conversando com um Serial Killer, da Netflix, provocou um grande hype. Nela, o diretor Joe Berlinger traçava um perfil da mente do assassino em série Theodore Robert Bundy através de depoimentos de amigos, familiares e conhecidos e mais um monte de fitas gravadas por Ted na prisão, nas quais ele narra detalhes importantes de sua vida, da infância até os mais cruéis assassinatos de 36 mulheres por diversos estados norte-americanos durante os anos 1970. Destas vítimas, doze foram decapitadas. Ainda pairou sobre ele a suspeita de outros mais de uma centena de homicídios não confirmados. Estes impressionantes números levaram o jovem estudante de Direito a integrar a lista de um dos mais perigosos matadores dos Estados Unidos, além de se tornar alvo constante da atenção da mídia da época, chegando até a ter ser julgamento final transmitido ao vivo pela televisão para todo o país.
Agora o mesmo Berlinger dirige um filme ficcional sobre Bundy, com roteiro baseado no livro escrito pela ex-namorada Elizabeth Kendall, com quem viveu por alguns anos na cidade de Seattle até se tornar a caça preferida da polícia de várias localidades e conseguir escapar de forma magistral de prisões e até mesmo um julgamento prestes a começar. Sempre jurando ser inocente de todas as acusações até ser condenado à pena de morte na Flórida, executada no dia 24 de janeiro de 1989)
Estreando hoje no Brasil, o longa-metragem, apesar do nome original (“extremamente cruel, chocantemente malvado e vil”, se traduzido para o português), procura mostrar uma outra face de Bundy. Aqui acompanhamos o rapaz galanteador, capaz de convencer qualquer mulher, com sua lábia e postura, que acabou de conhecer de suas boas intenções. Berlinger e o roteirista Michael Werwie também descortinam um dono de incrível retórica, a ponto de se dedicar aos estudos das leis para poder dispensar advogados e realizar a autodefesa nos próprios julgamentos. Não espere esbarrar em qualquer investigação psicológica sobre motivações dos crimes ou mesmo um perfil documental do que Ted significou para a imprensa e a sociedade norte-americana em seus últimos anos de liberdade. O que vale é o choque contrastante entre os atos de Bundy e o que é mostrado na tela, com somente um momento de violência explícita sendo protagonizado pelo ator Zac Efron.
A escolha de Efron, aliás, é um grande acerto para o elenco. Revelado pelo musical High School Musical, da Disney, o ator dá um importante passo para convencer críticos e cinéfilos de que realmente é muito mais do que um rostinho bonito. Apesar do foco no lado galã de seu personagem – o que é natural, porque o livro de Kendall (interpretada por Lily Collins) se baseia nas reações da autora diante de toda a situação, a princípio acreditando piamente na inocência do namorado – ele transmite a frieza necessária para impactar o espectador, que muito provavelmente irá ver o filme já sabendo do currículo assassino de Ted Bundy. Fazendo papeis secundários estão a inglesa de mãe brasileira Kaya Scodelario, Jim Parsons (fazendo um promotor sério e dedicado que em nada lembra o nerdSheldon Cooper da série Big Bang Theory) e John Malkovich (na pele de um juiz cujo lado humano não interfere nas ironias proferidas enquanto preside a sessão no tribunal). Para quem gosta de rock, há a curiosidade de uma ponta feita por James Hetfield, vocalista e guitarrista do Metallica (Berlinger, aliás, tem ligação com dois documentários sobre a banda, um em curta-metragem como diretor e outro em longa como produtor).
Esta cinebiografia de Bundy vale como um bom exemplo de que a violência pode ser muito mais impactante do que quando a tela mostra tiro, porrada e bomba. Na tonalidade pastel de uma fotografia que remonta a palidez do começo dos anos 1970, o golpe fica mais duro ao mergulhar na história que mostra que a maldade também pode vir – e em grande quantidade – de quem sempre demonstra ter aparência atraente e comportamento angelical. Enquanto isto está apenas na ficção (mesmo que baseada em fatos reais) se torna menos perturbador. Mas não deixa de ligar o alerta para quem sai balançado da sala de cinema.
Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal(Extremely Wicked, Shockingly Evil And Vile, EUA, 2019 – Paris Filmes). Direção: Joe Berliner. Roteiro: Michael Werwie. Com Zac Efron, Lily Collins, Angela Sarafyan, Kaya Scodelario, Haley Joel Osment, John Malkovich e James Hetfield. Paris Filmes. 110 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 25 de julho.