Relatório será divulgado hoje e reacende debate sobre suposto assassinato
*Do R7
O motivo da morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, em 22 de agosto de 1976, tem uma nova versão, dessa vez da Comissão da Verdade em Minas Gerais (Covemg). O relatório final não descarta um atentado dos militares que comandavam a ditadura que governava o Brasil contra o político nascido em Diamantina.
“Quanto mais se conhece sobre a ditadura militar e se desvenda violações de direitos humanos, maiores são as dúvidas sobre as circunstâncias das mortes e desaparecimentos de resistentes durante esse período”, afirma o relatório – no primeiro dos cinco volumes, que totalizam 1.781 páginas – ao concluir a investigação sobre a morte de JK.
A morte do ex-presidente entrou para a história como um acidente automobilístico. O Chevrolet Opala dirigido pelo motorista de JK, Geraldo Ribeiro, teria sido fechado por um ônibus da Viação Cometa, perdido o controle, atravessado a pista – no KM165 da Rodovia Presidente Dutra, próxima a Resende (RJ) – e sido atingido por uma carreta Scania.
De acordo com o relatório da Covemg, com as pesquisas e investigações realizadas até hoje “permanecem controversas e pouco claras” as circunstâncias da morte de JK e de seu motorista.
“Considerando o contexto da época, as distintas contradições das avaliações periciais, os depoimentos e pareceres jurídicos pode-se afirmar que é plausível, provável e possível que as mortes tenham ocorrido devido a atentado político”, conclui o relatório da Covemg.
O relatório final elaborado pela Covemg será apresentado nesta quarta-feira (13) primeiro em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, às 9h30 e depois, às 16h30, em cerimônia no Palácio da Liberdade.
Membro da Covemg, Carlos Antônio Melgaço, explica que a comissão levou em conta todas as investigações realizadas pelas diferentes comissões da verdade (a nacional e do estado e capital de São Paulo). Porém, Melgaço, entende que para chegar a conclusão definitiva os arquivos das Forças Armadas precisam ser totalmente liberados.
—Os primeiros a chegarem ao local do acidente foram militares da Academia Militar de Agulhas Negras.
Acidente ocorreu no quilômetro 165 da Rodovia Presidente Dutra, em Resende (RJ). (Foto: Reprodução/Covemg)
Outras comissões
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) concluiu, em abril de 2014, que a morte de JK foi realmente provocada por um acidente automobilístico. A principal suspeita era um fragmento metálico encontrado na cabeça do motorista Geraldo Ribeiro, em exumação feita em 1966. O objeto levantou suspeita que o motorista poderia ter levado um tiro enquanto dirigia. Porém, perícia no fragmento concluiu que era um cravo metálico usado para fixar o revestimento do caixão.
Cinco meses antes, em dezembro de 2013, a Comissão Municipal da Verdade de São Paulo concluiu, com base em depoimentos, que a morte foi provocada por conspiração, complô e atentado político.
Em novembro de 2014, outra comissão da verdade, dessa vez a Comissão Estadual da Verdade de São Paulo (CEV-SP), cravou que a morte de JK foi um atentado, contradizendo a CNV. A CEV-SP levou em conta ameaças de morte sofridas pelo ex-presidente, alteração do veículo e não preservação do local do acidente para perícia.
O relatório preparado por 20 professores e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Mackenzie critica a CNV: “A investigação da Comissão Nacional da Verdade sobre o caso JK é de baixa qualidade técnica, em razão do que ignora, em razão do que escolhe arbitrariamente analisar e em razão do que escolhe arbitrariamente concluir”.
A Covemg aponta no relatório oito questões que podem levar a acreditar que foi um atentado. São elas:
(1) não foi feita a interdição da pista na Dutra após o acidente;
(2) foi realizado exame toxicológico do corpo de Juscelino, mas não do condutor do opala dirigido por Geraldo Ribeiro;
(3) os laudos inicial e complementar possuem fotos traseiras do opala sem avarias no dia do acidente e diferentes no dia seguinte
(4) o laudo de vistoria e de identidade de tinta do ônibus e do opala e o parecer técnico do Centro de Tecnologia e Transporte são contraditórios: um afirma que a composição das tintas era a mesma, enquanto o outro mostra que as afirmações do laudo anterior necessitariam de outras técnicas de investigação e que seria impossível comprovar a identidade entre as duas amostras de tinta;
(5) o certificado de análise de tinta juntado ao laudo só contém a assinatura da engenheira-chefe e não é assinado pelos peritos, o que poderia ser rejeitado de acordo com o Código de Processo Penal;
(6) a perícia do opala, realizada em 1996 para avaliação de explosão e/ ou sabotagem, foi feita em veículo com chassi diferente do opala de 1976;
(7) em processo judicial, o motorista Josias foi absolvido na sentença, sendo “presumida sua inocência devido a provas deficientes, incompletas ou contraditórias que deixaram margem à dúvida, já que não houve como afirmar de forma irrefutável falha do motorista do ônibus diante dos depoimentos e documentos apresentados”. Foi negado o recurso de apelação contra a sentença e mantida a absolvição;
(8) parecer técnico do Instituto Mineiro de Perícias que analisou os distintos laudos e documentos indicados em trabalhos das três comissões da verdade. A Comissão da Verdade em Minas Gerais conclui que a perícia não apontou “elementos de provas insofismáveis”.
Contexto histórico
Carlos Antônio Melgaço, membro da Covemg, destaca que o episódio deve ser analisado dentro do contexto histórico. Além de JK, que morreu em agosto de 1976, outras mortes de opositores à ditadura ocorrem em datas próximas. João Goulart morreu em dezembro do mesmo ano e Carlos Lacerda em maio de 1977, os três que propuseram a Frente Ampla, que pedia o retorno da democracia e das eleições.
JK presidiu o Brasil entre 1956 e 1961 e, na sequência, foi eleito senador de Goiás, mas com golpe militar, em 1964, teve seu mandato de senador cassado e os direitos políticos suspensos por 10 anos. Exilou-se na Europa e nos Estados Unidos e, em 1966, formou com seu antigo rival Carlos Lacerda e com o ex-presidente João Goulart a Frente Ampla. Voltou ao país em abril de 1967, mas com a decretação do AI-5, em 1968, chegou a ser preso por 10 dias e depois em prisão domiciliar por um mês.
Outra morte no mesmo período foi de Zuzu Angel, mãe do militante Stuart Angel, que foi assassinado pelos militares. A estilista morreu em abril de 1976, também em um suspeito acidente automobilístico. Na América Latina, destaca-se ainda a morte do o ex-ministro de Salvador Allende, no Chile, Orlando Letelier (1976).
“Qual seria a probabilidade real de tantas mortes de lideranças no Brasil e outros países acontecerem em tão curto espaço de tempo? Obra do acaso?”, questiona o relatório da Covemg.
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