O general Antonio Hamilton Martins Mourão no seu discurso pouco republicano (Foto: YouTube, Reprodução)

A ideia da volta do regime militar andou ganhando espaço; veja texto opinativo de um dos editores do RIC Mais

*Por Thiago Momm

De algumas semanas para lá, uma estranhíssima conversa sobre a volta da ditadura militar andou ocupando certo espaço na mídia brasileira. Tudo partiu de uma fala do general Antonio Hamilton Martins Mourão de que o alto comando estuda uma intervenção militar no país

Ontem, foi a vez do Coronel Gerson Rolim da Silva, comandante do Batalhão do Exército em Curitiba, assanhar-se com declarações no mínimo ambíguas: “Essa decisão [de intervir] não cabe às Forças Armadas. Nós somos apenas cumpridores da Constituição e ela prevê que as instituições vão nos acionar, se isso for julgado necessário. Cabe a nós cumprir o que os Poderes decidirem. Vivemos um momento político difícil, mas as instituições estão funcionando e, enquanto isso estiver acontecendo, estamos acompanhando e juntos. Vamos cumprir o que prevê o artigo 142 da Constituição Federal”.

A maioria dos brasileiros é contra a volta da intervenção militar – 51,6%, segundo pesquisa de opinião encomendada pela Coluna do Fraga, do Portal R7, ao Instituto Paraná Pesquisas. O total de pessoas favoráveis à intervenção, porém, é de surpreendentes 43,1% (os 5,3% restantes não sabem ou não responderam).

Em um debate com tanta gritaria e opiniões apressadas, lembra-se aqui, em cinco pontos, por que é absurdo falar em intervenção militar.

1) As Forças Armadas não combatem a corrupção 

Durante o regime militar, “o Brasil foi assolado por casos de corrupção como Capemi, Coroa Brastel, Brasilinvest, Paulipetro, grupo Delfin, projeto Jari, entre vários outros. Isso mesmo em um ambiente marcado pela censura e pela violência arbitrária”, lembra o colunista da Folha de S.Paulo Vladimir Saflate. 

Ou seja, a censura imposta por militares apenas nos dá a ilusão de que existem menos escândalos, porque eles são sufocados. Como exemplifica Saflate, figuras como Sarney, Maluf, Antônio Carlos Magalhães foram importantes na ditadura, cresceram justamente nela.

2) Se você gosta da sua opinião, não deveria gostar de um regime militar

É comum o argumento de que apenas “os vagabundos” e “subversivos” sofriam com o regime. Isso parece sugerir que existia uma opinião ideal para se ter entre 1964 e 1985, e que bastava aderir a ela para não ter nenhum problema. A verdade é que todos nós temos sempre dezenas de pontos para discordar de um governo, e o que nos permite exercitar essa opinião é a democracia.

Se você é do tipo que gosta de opinar bastante no Facebook, como pode ser a favor de um regime que é contra a livre manifestação de opiniões? Quem é a favor do regime militar está dizendo que a própria opinião vale pouco e que não teria problema em passar repetir apenas as mesmas opinões, sobre todos os assuntos, do que as permitidas por quem está no poder. Se você está falando o que quer nas mídias sociais, agradeça por isso anos nossos 32 anos recentes de democracia (se estamos aqui discutindo isso, agradeçamos também).

3) Nenhum dos melhores países do mundo é marcado por ditaduras

Vale dar uma olhada no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, feito com base em dados de educação, expectativa de vida ao nascer e renda per capita. Na parte de cima, dos 49 países com “Muito Alto Desenvolvimento Humano”, a Coreia que está lá é a Coreia do Sul (17a colocação), democrática, não a Coreia do Norte, ditatorial (que nem aparece no ranking, porque não tem transparência nos seus dados).

Entre os 20 primeiros colocados da tabela, nenhum viveu uma ditadura nos últimos 70 anos. Em vários casos, o tempo de democracia é muito maior que isso, ou nem mesmo houve, em qualquer época, regimes militares no poder. Já do 20o ao 49o colocado, o que chama a atenção justamente é a presença de diversos países que, justamente depois de se livrarem de ditaduras (de direita ou esquerda) nos anos 1970 ou 1980, passaram a se desenvolver rapidamente: Eslovênia, Estônia, Espanha, Chile, Portugal… (a lista é de aproximadamente 15 países).

4) O Milagre Econômico não foi tão milagroso assim

O crescimento excepcional do PIB brasileiro entre 1968 e 1973 (índices entre 8,8% e 14% nesses anos) recebe o nome de milagre não só pelos resultados, mas pelo fato de que durou pouco. Foram apenas 6 dos 21 anos de regime militar. Em 1981 (o regime foi até 1985), o Brasil teve um dos piores desempenhos econômicos da sua história (-4,4%), e em 1983 encolheu outra vez (-3,4%).

Sobre os anos do “Milagre”, não é muito excepcional que países pouco desenvolvidos, como éramos então, cresçam a taxas maiores (no governo Juscelino Kubitschek, de 1956 a janeiro de 1961, o Brasil cresceu 7% ao ano, por exemplo). De resto, apesar do crescimento, o período não serviu como solucionou diversos problemas estruturais do país e não serviu para melhorar a distribuição de renda. Por fim, foi da ditadura a herança econômica que nos fez viver a assustadora hiperinflação dos anos 1980.

5) As Forças Armadas são parte do caos

Esta é a ideia central do texto de Vladimir Saflate na Folha. Ele escreve: “Como esperar moralidade de uma instituição que nunca viu maiores problemas em abrigar torturadores, estupradores, ocultadores de cadáveres, operadores de terrorismo de Estado, entre tantas outras grandes ações morais? As Forças Armadas brasileiras nunca tomaram distância dessas pessoas, expondo à nação um mea-culpa franco. Ao contrário, elas os defenderam, os protegeram, até hoje. (…) As Forças Armadas nunca foram uma garantia contra o ‘caos’. Elas foram parte fundamental do caos”.

Ou seja, a conversa de que existe um “caos” é uma tática bastante conhecida de regimes militares. Em nome da subsituição desse caos, troca-se quem está no poder por um grupo ainda mais duvidoso. 

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