Militância pró-lula se reuniu na Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba (Foto: Portal RICMais)

A esquerda, agora à noite com Lula incluído, está protestando na praça que homenageia um político conservador, e a direita, diante do museu de um comunista

*Por Thiago Momm, do Portal RIC Mais

“Eu tenho nojo de coxinha também”, diz o homem esguio de terno justo, cabelos brancos e olhos azuis para a mulher com a estrelinha número 13 no peito.

Os dois estão na Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba, em meio a algumas centenas de manifestantes pró-Lula, aos quais agora à noite, às 19h30, acaba de se juntar o próprio ex-presidente.

O homem de terno é uma das poucas pessoas não-uniformizadas que o jornalista vê na praça durante quase uma hora.

Batuques e vuvuzelas sonorizam o começo da tarde, churrasquinhos aromatizam o ar. O tempo está úmido, o céu é cor de gelo, boa parte da militância permanece relativamente atenta. Do centro para o fundo da praça o movimento escasseia, e por ali já são poucas as pessoas conectadas ao que está sendo vociferado no palco.

O jornalista tem a impressão de ter escutado a frase “Lula lacrimejando põe a mão na água” saindo da boca de Vicentinho, o político e sindicalista. Em seguida, ele fala de Padim Ciço e de como Lula fez a água chegar no sertão. Isso ele com certeza disse, porque o jornalista então já tinha virado para o palco e estava anotando.

Talvez para irritar os militantes, o misto de sebo e livraria do outro lado da rua mantém “Lava Jato”, o livro de Vladimir Netto, em destaque.

Bolinho

A três quilômetros dali, diante do Museu Oscar Niemeyer, cerca de 150 pessoas (em uma contagem às 14h16) faziam o contraponto amarelo-patriota à caricatura vermelha-sindicalista. Diante do vasto gramado e da imensa edificação em forma de olho espelhado na frente do museu, o bolinho humano não parece grande coisa. O Pixuleco, talvez do tamanho da metade do olho do museu, é o único destaque do cenário.

“Patriota trabalha”, é a justificativa pronta de um homem que está entre os aparentes líderes por ali. Ele exagera o total de presentes ao gravar um discurso com o seu telefone, aparentemente para postar nas mídias sociais. As pessoas ali são mais de 300, afirma, e então convoca as pessoas a aparecerem ali “depois do trabalho”.

“Ninguém, né?”, diz o pipoqueiro para um manifestante, o monte de pipoca salgada aproximadamente pela metade e o de pipoca doce quase intacto. O homem que vende camisetas da República de Curitiba boceja.

Lugares trocados

Os reunidos diante do Museu Oscar Niemeyer são difamados como coxinhas, mas o café do museu não vende um quitute tão obscenamente plebeu – o que mais se chama a atenção são os quiches. A coxinha de frango é vendida, em um combo de R$ 7,50 com refrigerante, na praça Santos Andrade.

Aliás, os manifestantes foram colocados hoje em lugares trocados. O arquiteto Oscar Niemeyer, que dá nome ao museu, era fã de Lula até o final dos seus 104 anos de vida, e quando discordou do ex-presidente foi por considerar que ele deveria ter se colocado ainda mais à esquerda quando estava no poder.

Já a personalidade que dá nome à praça, José Pereira dos Santos Andrade, presidente do Paraná (como se chamava o governador na época) por duas vezes no final do século 19, foi um conservador – em uma época, vale dizer, em que políticos progressistas eram bastante raros, como lembra ao RIC Mais Renato Mocellin, que é professor de História do Curso Positivo e tem mais de 40 livros publicados.  

Mocellin lamenta a polarização política que vive o país, especialmente em dias como o de hoje. Niemeyer, ele lembra, foi membro do Partido Comunista, mas o governo de Lula jamais poderia ser caracterizado assim – “foi no máximo uma socialdemocracia”, avalia o professor, afirmando que o governo Lula inclusive se pareceu com o FHC.

Coros fracos

“Vamos lembrar as hashtags pra continuar lá em cima”, diz uma militante ao microfone, repassando o #ForaTemer e #LulaEuConfio para os militantes. Um helicóptero sobrevoa a Santos Andrade. Uma das placas na praça pede liberdade para “Vaccari, Palocci e Zé Dirceu”. Vincentinho deixou o microfone, um deputado petista mineiro assume. O discurso é menos febril. Ele tenta conspirar um pouco, mas a temperatura não sobe. “Em Lula eu confio”, diz. O público parece relutante.

Um pouco depois, um deputado petista catarinense tenta puxar um clássico “olê, olê, olá, Lula, Lulaaa”, mas o coro morre em segundos. Um comentário sobre o fato de a filha e a mulher de Eduardo Cunha não estarem presas, por exemplo, entusiasma muito mais. Outro comentário que funciona é o de que Lula fez, no seu governo, tanto pelo povo quanto pelas elites. “Mas o povo é grato. A elite não, é mal agradecida. Não agradece o que Lula fez pelos aeroportos”.

O discurso cheio de ideias fixas e vodus retóricos segue, mas o público vai cansando, refletindo cada vez mais a pasmaceira do céu.

O clima vai para o Museu Oscar Niemeyer esperando um pouco mais de animação. Não encontra muita. Um cartaz mal-educado diz “Basta seu b…”. Um coro de “Lula / ladrão / teu lugar é na prisão” não se alastra. Alguns apitos soam, algumas pessoas fazem saltar as veias do pescoço ao gravarem depoimentos exaltados para os seus telefones.

O manifestante com microfone que disse que os presentes eram mais de 300 acusa os “mortadelas” de terem vindo a Curitiba pelo ganho de R$ 200 cada. Como eles seriam “40 mil” pessoas, o gasto com a militância pró-Lula teria custado R$ 8 milhões – pagos pelo imposto de cada um de nós, concluiu o homem

“Movimento maravilhoso”, ironiza um passageiro filmando de dentro de um carro, durante a parada no sinal. Os manifestam se irritam. O carro arranca e o quase começo de conflito não dá em nada.

Na noite desta quarta, os dois lados da manifestação ainda podem se encontrar.

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