Professores do ensino fundamental fazem streaming de jogos para atrair a atenção de alunos
“Desligue esse videogame e vá estudar”. Quem nasceu entre os anos 70, 80 e 90 provavelmente já ouviu (e muito) essa frase. Naquele período, os aparelhos eram considerados brinquedos e meras distrações, dada a simplicidade e casualidade dos jogos. O tempo passou e a tecnologia evoluiu tanto a ponto de transformar os games em verdadeiras mídias, como cinema e música. Agora eles oferecem narrativas complexas, visuais fotorrealistas e mecânicas intuitivas que permitem uma imersividade sem precedentes. Soma-se ao amadurecimento da internet, à jogatina online e às redes sociais que conectam as pessoas e voilá: as possibilidades são inúmeras.
E quem diria que toda essa parafernália que já foi inimiga da nossa concentração agora pode ser uma poderosa aliada em tempos de isolamento social?
Um novo jeito de ensinar
Sabemos que a pandemia do novo coronavírus trancou professores e alunos dentro de suas casas, e fez com que o ensino à distância se tornasse o único meio viável para manter as aulas em dia. No entanto, há quem encontre dificuldades para prestar atenção durante aproximadamente 4 horas em frente a um monitor. É aí que a paixão por games e a criatividade de dois professores do município de Jaguariúna, região metropolitana de Campinas, em São Paulo, deram start.
Para ensinar sobre a Revolução Industrial, o professor de Geografia Henrique Lima e o professor de Artes Juliano Ohara organizaram um “tour virtual” pelas mazelas, portos, becos e casarões do game Assassin’s Creed Syndicate, ambientado na Inglaterra do século XVIII.
Durante o passeio, os docentes percorrem diversos pontos de Londres e explicam cada detalhe que contextualiza o lugar. O que chama atenção é a ordem escolhida para fazer o passeio: iniciam do lugar mais pobre e vão até o bairro mais abastado, podendo comparar as diferenças que afastavam as duas realidades da época. Ao passo que lecionam, os alunos têm a possibilidade de interagir nos comentários.
A dupla comenta que a ideia precisou amadurecer até se transformar em jogatina.
“Tentamos gravar podcasts sobre temas como jogos e filmes, e depois até migramos para videoaulas gravadas. Aí comentei com o Henrique que Assassin’s Creed tem bastante referências sobre história, geografia e artes. Desse jeito poderíamos fazer uma aula enquanto jogávamos, porque essa coisa dos alunos assistirem lives é uma realidade deles, então por que não transmitir games para atrair a atenção deles?”
Henrique ainda comenta que a aula serviu para desmistificar a violência, que é um dos pilares do jogo, e fez com que os alunos valorizassem mais a questão didática.
“Procuramos ressignificar o jogo para a molecada, para eles entenderem que o game tem muito mais coisa do que parece. ‘Ah, legal ficar só jogando’, mas o conteúdo é muito rico. Hoje em dia investe-se cada vez mais em estudos históricos e geográficos. Os desenvolvedores criam uma experiência completa, então também é dever nosso mostrar que com o que eles se divertem, há muito conteúdo ali. Só precisam saber”, completa.
Juliano, por sua vez, já havia experimentado embarcar suas turmas em outras jogatinas. E ele foi além, unindo mais salas na experiência e alguns curiosos também.
“Eu coloquei do sexto ao nono ano, e eles adoraram. Teve até um pai de aluno que apareceu e elogiou o trabalho. Até mesmo colegas professores entraram. É uma novidade. Foi um feedback muito positivo. Acho que tive mais visualizações em aulas de jogos do que em aulas normais”, revela.
E não houve desculpas para quem perdeu o streaming, pois eles estavam todos disponíveis dentro da plataforma de vídeos, com direito a feedback.
“O pessoal que assistiu, gostou. Os que não puderam assistir no dia foram ao YouTube conferir, porque acharam interessante. Foi uma experiência legal”, comentou Juliano.
O professor ainda reitera que notificou a escola sobre a ideia deles, mas o ineditismo não desencadeou muitos entraves. A escola e a coordenação não tinham muita ideia de como seria lecionar dessa maneira, então foi por conta da dupla. Ao que parece, deu tudo certo.
Planos para o futuro
Além de trabalharem com mais jogos, os professores gostariam de levar toda essa experiência para o presencial, assim como era antigamente. Mas a pandemia ainda gera incertezas sobre como será esse próximo passo.
“O difícil é pensar em futuro. Não temos noção de quando vamos voltar para a sala de aula. É até difícil planejar, pois como será esse retorno? Uma turma de cada vez? Como que a escola vai se organizar? Mas a gente viu que os games funcionam. Podemos trabalhar com mais recursos no presencial, nos aproximando pessoalmente mesmo. Gosto das pessoas e sinto falta delas. Para os alunos, o jogo é uma experiência ‘cada um na sua casa’. Para mim é você jogar junto com os amigos. Portanto eu gostaria de trazer essa questão do presencial de volta, construindo conhecimento com eles”, finaliza Juliano.
O jeito, por enquanto, é ter aulas e assistir a gameplays no conforto de nossos lares. E você, gostaria de saber como é essa experiência? Fique à vontade para conferir o trabalho dos professores: