Grupo suspeito de desviar milhões em negociações com criptomoedas é alvo da PF

Publicado em 5 jul 2021, às 09h03. Atualizado às 11h05.

A Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã desta segunda-feira (5), a Operação Daemon que investiga a prática de crimes ligados a falência, de estelionato, lavagem de capitais, organização criminosa, além de delitos contra a economia popular e o sistema financeiro nacional.

Cerca de 90 policiais federais cumprem, em Curitiba e Região Metropolitana, um mandado de prisão preventiva, quatro mandados de prisão temporária e 22 mandados de busca e apreensão, todos expedidos pela 23ª Vara Federal de Curitiba (PR). Além disso, houve a decretação judicial de sequestro de imóveis e bloqueio de valores.

As investigações contra a organização suspeita pela prática dos crimes citados foram iniciadas em 2019, pela Polícia Civil do Paraná, por conta de diversas denúncias formalizadas por possíveis vítimas dos delitos sob apuração.

Os investigados eram responsáveis pelo controle de três corretoras de criptomoedas e, com pesado investimento em estratégias de marketing, passaram a atrair diversos clientes para que investissem recursos pessoais nas plataformas do grupo empresarial.

Operação Daemon

Segundo a PF, por cerca de dois anos, as atividades foram conduzidas com aparência de legalidade até que, em 2019, de foram rápida, o grupo noticiou que havia sido vítima de um ataque cibernético e, por isso, bloqueou todos os saques de valores das plataformas das corretoras.

A partir de então, foi instaurada uma apuração criminal sobre o suposto ataque dos hackers, pedida pelo próprio grupo empresarial à Polícia Civil. No entanto, os administradores desse grupo passaram a atrasar o andamento das investigações, recusando o fornecimento de informações e documentos para o desfecho da apuração. Eles ainda prometiam aos clientes lesados o ressarcimento, de maneira parcelada, da totalidade dos valores depositados, mas os débitos pendentes não foram quitados sob a justificativa de acordos extrajudiciais oficializados e pela alegação do andamento da investigação para a apuração do ataque cibernético.

Como o grupo não teria colaborado com a investigação, conforme a PF, os responsáveis pelo inquérito se manifestaram no sentido de que os indícios revelavam que eles não tinham sido vítimas de ataque e que, pelo contrário, eram suspeitos das práticas dos crimes de estelionato, quadrilha e contra a economia popular. Diante da manifestação, o Ministério Público do Paraná (MPPR) promoveu o arquivamento da investigação.

Com a manifestação das autoridades estaduais sendo desfavorável ao grupo, o líder das empresas, no final de 2019, decidiu e obteve sucesso no pedido de recuperação judicial. Com isso, ele conseguiu, sob a justificativa de que necessitava de socorro judicial para reorganização do grupo e pagamento das dívidas, a interrupção de todas as ações cíveis que respondiam as empresas e autorização para continuação das atividades de negociação de criptomoedas.

No início de 2020, após ser constatado que o grupo oferecia ao público contratos de investimento coletivo sem registro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), houve direcionamento de competência das investigações para a Justiça Federal, momento em que a Polícia Federal passou a conduzir a apuração da possível prática de crime contra o sistema financeiro nacional e os demais conexos. Com o aprofundamento das investigações, descobriu-se que o grupo empresarial teria operado um esquema de pirâmide financeira.

(Foto: Polícia Federal)

Os investigados apostavam na promoção da imagem de sucesso do grupo, com exibição de posses e bens de luxo e realização de grandes eventos. De acordo com a PF, os valores ingressos nas plataformas virtuais das corretoras do grupo (tanto por transferência de criptomoedas, quanto por depósitos bancários), eram em grande parte desviados em benefício próprio do líder do conglomerado empresarial, de sua esposa e de outros investigados. As investigações da PF apuraram ainda que o líder do grupohavia sido condenado na Suíça pelos crimes de estelionato e falsificação de documentos.

A PF também apurou que os valores movimentados através do mecanismo criado pela área de TI não correspondiam à realidade. Ao consultar as plataformas virtuais das corretoras, os clientes acompanhavam uma suposta posição de seus investimentos que, desde o momento em que ingressavam nas contas das empresas, eram empregados de maneira indevida para o enriquecimento dos gestores. Desta forma, os clientes acreditavam que estavam realizando operações nas corretoras e obtendo lucros diários e garantidos, suspeitando das irregularidades somente em 2019, após o bloqueio dos saques.

Já no âmbito da recuperação judicial em trâmite, foram verificados diversos indícios da prática permanente de crimes falimentares. Para justificar o pedido de recuperação, o líder da organização criminosa alegou junto ao juízo que tinha em sua posse cerca de sete mil bitcoins, o que consistia, em termos de números, patrimônio suficiente para quitação de todas as dívidas decorrentes dos bloqueios de saques dos clientes.

A investigação da Polícia Federal apurou, ainda, que o líder investigado se utilizou da nova e complexa realidade das negociações virtuais com criptomoedas para enganar o administrador judicial e o próprio Juízo Falimentar, apresentando como garantia uma carteira com bitcoins que nunca foram de sua propriedade. Isso indica, conforme a PF, que o investigado se utilizava do processo de recuperação judicial para ganhar tempo para ocultar o produto de seus possíveis delitos anteriores.

Além disso, também foi revelado que o líder da organização criminosa, valendo-se do relacionamento com outras pessoas investigadas, passou a movimentar e gerir recursos e bens à margem do controle do Juízo Falimentar.

Segundo estimativa feita pelo administrador judicial do processo de recuperação judicial, o valor devido pelo grupo econômico totaliza cerca de R$ 1,5 bilhão o que diz respeito a mais de sete mil credores.

As ordens judiciais cumpridas nesta segunda têm como objetivo o fim das atividades criminosas, e a elucidação da participação de todos os investigados nos crimes sob apuração, assim como o rastreamento patrimonial para viabilizar, ainda que parcialmente, a reparação dos danos gerados às vítimas.

A investigação policial recebeu o nome de Operação Daemon por se referir, no âmbito da mitologia grega, a um ser sobrenatural trabalhando em plano de fundo, e no âmbito da computação, a um programa que executa um processo em plano de fundo que não está sob controle direito do usuário interativo. As referências encontram correspondência no modus operandi dos investigados, que desenvolveram diversos artifícios para induzir as vítimas em erro, inclusive com a criação de ferramenta de registro de transações de criptoativos que, em plano de fundo, permitia o desvio dos recursos e enriquecimento ilícito dos investigados.

Recuperação de bens

Na manhã desta segunda-feira (5) investigadores da PF concederam uma coletiva de imprensa para revelar detalhes sobre a Operação Daemon. O delegado Filipe Hille Pace, que comandou os trabalhos, declarou que cinco pessoas foram presas, incluindo um casal que seria líder do esquema criminoso.

O braço direito do principal suspeito de comandar os crimes também foi detido. Agora, de acordo com a investigação, o foco é recuperar o maior número de bens para reverter aos clientes lesados.

“A Polícia Federal com essa apuração busca não só consolidar ainda mais as provas de materialidade e autoria dos crimes investigados, mas de alcançar a maior quantidade possível de bens para que eles sejam revertidos em proveito dos clientes, ora vítimas, deste esquema criminoso que estamos investigando”,

declarou o delegado Pace.

Ainda segundo a investigação, será realizado um leilão com os bens recuperados e o valor será revertido aos lesados. Confira a coletiva completa: