Curitibana que vive em Bergamo conta como é morar na província mais afetada pelo Coronavírus na Itália

Publicado em 20 mar 2020, às 00h00.

Na noite desta quarta-feira (18) imagens de caminhões militares em fila em frente ao hospital da cidade de Bergamo, na Itália, para remover os corpos das vítimas do novo Coronavírus, comoveram não apenas italianos, mas pessoas ao redor de todo o mundo. Outra foto de grande impacto foi a de dezenas de caixões estocados no pátio de uma das igrejas da cidade.

A Itália é o segundo país do mundo em número de casos do Novo Coronavírus, com 35.713 pessoas infectadas, e também a segunda em número de mortos, com 2.978. Bergamo, que fica localizada na província da Lombardia, é cidade que mais tem casos e mortes da doença, e é uma das localidades que mais sofre com os atendimentos hospitalares.

Já são 1.959 mortos apenas na província. Os militares foram acionados pelos governos para levar os corpos para crematórios da região, já que os cemitérios da cidade não têm mais capacidade para atender a tantos pedidos de cremação. No restante da região da Lombardia, que tem cerca de 10 milhões de habitantes, são mais de 13 mil casos, e cerca de 1,2 mil mortes.

Dezenas de caixões aguardando corpos nos pátio de uma igreja de Bergamo – Foto: AFP

Karilene Stradioto é curitibana e mora em Bergamo há três anos. Formada em jornalismo na capital do Paraná hoje trabalha em um hotel, divide o apartamento onde mora com dois italianos, e viu sua rotina e a vida de toda a cidade sofrer mudanças drásticas nas últimas semanas. Isolada em casa, a princípio até o dia 01 de abril, ela tem certeza de que a quarentena, no entanto, se estenderá ainda por um longo tempo.

“Sabemos que esse isolamento vai se estender. A princípio até primeiro de abril precisamos ficar em casa, mas tenho certeza de que ficaremos mais tempo”, diz. O isolamento permite que os habitantes de Bergamo saiam de suas residências apenas para ir ao mercado ou à farmácia. “Para ir ao mercado só uma pessoa pode sair de casa, usando máscara e luvas. No mercado entra apenas uma pessoa por vez”.

No início da pandemia, conta Karilene, ninguém tinha noção de quão grave ela era.

“A gente não pensava que era algo tão grave. Nem o governo imaginava, por isso não acho que eles subestimaram a doença, porque parar um país inteiro não é uma decisão fácil de ser tomada”, destaca a curitibana.

Entretanto, em entrevista à BBC Mundo, Giorgio Gori, prefeito da cidade há seis anos, lamenta que os políticos, inclusive ele, tenham subestimado, a princípio, a gravidade da situação.

Para ele, essa atitude, aliada a um surto de coronavírus em um hospital da região, não identificado corretamente entre dezembro e janeiro, contribuiu para que a epidemia crescesse rapidamente. “Chegamos ao limite”, disse o prefeito.

Rotina

Hoje, isolada num apartamento, Karilene Stradioto passa os dias estudando, faz exercícios físicos no quarto, lê e assiste a filmes e séries. “Eu trabalhava, ia pra aula de italiano, pra academia e me encontrava pelo menos uma vez por semana com as amigas brasileiras. Agora o hotel está fechado até 01/04”, conta.

A cidade está deserta, mesmo que todos os moradores ainda estejam lá o cenário é semelhante ao de um filme apocalíptico. A autoestrada que passa ao lado do apartamento de Karilene se encontra absolutamente vazia. Um cenário angustiante, como destaca Stradioto.

“Estou calma, porém angustiada com tudo que ouço, os casos aumentam, as mortes também, me compadeço com esses idosos que estão proibidos de sair de casa. E uma das minhas chefes está com uma gripe muito forte e é asmática”.

Autoestrada completamente deserta é o retrato de Bergamo hoje – Foto: Karilene Stradioto

Mortes

Cerca de 1.959 pessoas morreram em Bergamo por causa do Coronavírus. A cidade chegou ao seu limite como disse o prefeito. Os médicos no hospital Giovanni XXIII, o maior da cidade, também chegaram.

Eles colocam até sete pacientes por dia em ventilação mecânica e descansam, em média, um dia a cada duas semanas. Somente na província, mais de 50 médicos já foram infectados desde o início da pandemia.

“É muito triste pensar que tudo isso está acontecendo aqui bem perto. Não conheço essa igreja que recebeu tantos caixões na noite de ontem. Toda essa tragédia acontece aqui, mas por causa do isolamento parece que é longe, chega a ser um pouco confuso. Resumindo é um caos. Hoje saí pra comprar cigarro e um dos moradores me gritou ‘é pra ficar em casa!’”, relata Karilene.

Os poucos habitantes com quem Karilene cruza quando consegue sair de casa não fazem sequer contato visual. Além do risco de contaminação, os moradores enfrentam um grande desafio emocional.

“Quanto a mim me pergunto porque estou em meio a tudo isso? Obvio que não encontro a resposta. Mas fico feliz por estar tranquila, saber que minha família está bem e otimista por que sei que tudo passa”, completa.