Juíza de Curitiba cita raça ao condenar réu negro por organização criminosa
A juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, condenou Natan Vieira da Paz, de 48 anos, acusado de integrar uma organização criminosa e praticar furtos, a 14 anos e 2 meses de prisão. Na sentença, a juíza escreveu que o réu, que é negro, “seguramente” integra grupo criminoso “em razão de sua raça”.
A decisão do dia 19 de junho e foi publicada nesta terça-feira (11).
“Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”.
“Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”.
Trecho da sentença
Em outros dois trechos, a juíza de Curitiba usa a raça para se referir ao acusado.
A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) contra oito pessoas.
O MP o apontou Natan Vieira da Paz como alguém que auxiliava em furtos e roubos e, principalmente, na fuga do grupo. A denúncia foi recebida em 30 de outubro de 2018.
O acusado alegou falta de justa causa, pediu a revogação da preventiva. Nas alegações finais, o MP pugnou pela absolvição de quatro réus, dentre eles, Natan, por furto.
A advogada do réu, Thayse Pozzobon, denunciou a sentença com cunho racista em suas redes sociais. A jurista vai recorrer da decisão e acionará o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o julgamento seja anulado, por conta do racismo praticado pela magistrada na sentença.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) afirma que o caso será encaminhado para apuração da Corregedoria.
Outro lado
A juíza nega que tenha utilizado a cor do réu como base da fundamentação da sentença. Leia a nota na íntegra:
“A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.
O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social. A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.
Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender.
A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.
Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.
A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas.
Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais.
O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo.
Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém.
INÊS MARCHALEK ZARPELON”