O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu nesta segunda-feira (23), uma investigação sobre os testes para diagnosticar o coronavírus “encalhados” em um armazém do Ministério da Saúde. A representação, assinada pelo subprocurador-geral Lucas Furtado, é sobre a existência de 6,8 milhões de unidades do exames mantidos estocados e que perderão sua validade entre dezembro deste ano e janeiro de 2021.

Furtado aponta “inépcia” do governo federal em relação ao planejamento e logística de distribuição para a rede pública de saúde. Ele requer que o TCU apure eventual prejuízo ao erário, no valor de R$ 290 milhões e “à prestação dos serviços públicos de saúde no Brasil decorrente do vencimento do prazo de validade de milhões de testes adquiridos pelo Ministério da Saúde para o diagnóstico do novo coronavírus”.

“Como era de se esperar, a causa dessa inércia e desse desperdício não é segredo para ninguém. Trata-se da inépcia do governo federal, sobretudo do Ministério da Saúde – cujo ministro não é da área -, no que diz respeito ao planejamento e logística de distribuição para a rede pública de saúde, bem como das medidas necessárias para a aplicação dos testes”, diz Furtado no documento em que pede a investigação do tribunal de contas.

No domingo (22), o Estadão revelou que 7,1 milhões de exames estão em um armazém do ministério, ou seja, não foram enviados ao SUS em plena pandemia. Do total estocado, 96% (cerca de 6,86 milhões de unidades) estão próximos de perder a validade.

O estoque que pode ser inutilizado é maior do que os 5 milhões de testes PCR (considerado “padrão ouro” para detectar o vírus) já realizados pelo SUS na pandemia. O RT-PCR é um dos exames mais eficazes para diagnosticar a covid-19.

Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro tentou culpar os governos estaduais pelo encalhe de quase 7 milhões de testes para diagnóstico da Covid-19.

Em uma postagem em redes sociais, Bolsonaro foi cobrado por uma apoiadora sobre a notícia do desperdício de ter testes estocados que podem perder a validade.

“Todo o material foi enviado para Estados e municípios. Se algum Estado/município não utilizou deve apresentar seus motivos”, escreveu Bolsonaro.

O próprio Ministério da Saúde desmentiu o presidente. Em nota, admitiu que os testes não foram distribuídos e estão no depósito em Guarulhos. Apesar de não admitir diretamente que os testes estão para vencer, o ministério informa que devem chegar essa semana “estudos de viabilidade estendida” para os testes em estoque, que serão entregues para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Os estudos poderão permitir que os testes possam ser usados por mais algum tempo, para além do prazo de validade inicial, que é de 8 meses.

“Cabe ressaltar que os testes RT-qPCR são distribuídos de acordo com as demandas dos Estados e que o ministério se mantém à disposição dos entes para dar suporte às ações de monitoramento, diagnóstico, tratamento e acompanhamentos dos casos, além de incentivar as ações de prevenção e assistência precoce nos serviços de saúde do SUS”, informou o ministério.

A pasta diz ainda que já distribuiu 9,3 milhões de testes RT-PCR aos Estados e que 5,04 milhões já foram usados.

Também em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) afirma que alertou diversas vezes o Ministério da Saúde sobre a falta de materiais para coletar o material a ser testado, como tubos e swabs, e de insumos para extração do material genético para os exames RT-PCR.

De acordo com os secretários, os insumos para a segunda etapa do teste, a chamada amplificação, estavam de fato disponíveis –são os que estariam armazenados em Guarulhos– mas sem o restante do material eles não poderiam ser usados.

“Ao longo dos últimos meses, o Conass alertou para o problema. Passamos boa parte da pandemia com dificuldade para aquisição de insumos de coleta. O repasse desse material para Estados só ocorreu a partir de agosto. Os insumos para extração do material genético viral e equipamentos desta etapa, por sua vez, somente foram repassados a partir de setembro”, diz o texto.

Além disso, dizem os secretários, o contrato para fornecimento desse material foi cancelado pelo Ministério da Saúde e ainda não foi feito outro, o que pode impedir o uso dos testes mesmo que o ministério consiga a extensão do prazo de validade.

Carlos Lula, presidente do Conass, disse à Reuters que os secretários não tinham conhecimento de que o ministério tinha todo esse material em estoque.

“No ritmo que estão sendo feitos os testes é muito improvável que se consiga usá-los antes do prazo de vencimento. É um absurdo”, afirmou.

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