Por Roberto Samora

SÃO PAULO (Reuters) – O Brasil não terá suprimento suficiente de biodiesel para atender a mistura obrigatória de 12% no diesel nos próximos meses diante de uma oferta enxuta de soja, e o país reduzirá provisoriamente o percentual misturado para 10%, disse o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, nesta quinta-feira.

O movimento levou a agência reguladora do setor, a ANP, a cancelar um leilão de venda de biodiesel que atenderia a obrigatoriedade da mistura de 12% em setembro e outubro. Simultaneamente, a autarquia disse em nota que publicaria um novo cronograma atualizado para o leilão L75.

Ao ser questionado, durante congresso do setor do biocombustível, o ministro citou desafios como a oferta de matéria-prima. Mais de 70% do biodiesel no Brasil é produzido a partir do óleo de soja.

Apesar de ter tido uma safra recorde, o país está exportando grandes volumes de soja, especialmente para a China, contando com um câmbio favorável, o que enxugou a oferta e tem colaborado com preços recordes em leilões de biodiesel recentes.

Os valores da soja também estão em patamares históricos acima de 100 reais a saca, impulsionando negócios da nova safra, que, contudo, só chega no ano que vem.[nL2N2EU17N]

“Em agosto, durante leilão L75, verificamos desbalanço da oferta de biocombustíveis frente à demanda prevista para o próximo bimestre. Assim, chegamos à conclusão de que não haverá volumes de biodiesel suficiente para atender o percentual obrigatório de mistura de 12% para os meses de setembro e outubro”, afirmou ele.

“Desse modo, novamente, vemos a necessidade de promover a redução da mistura para 10%, durante o período citado, e isso não caracteriza uma diminuição da relevância que o governo federal atribui a essa exitosa política…”, afirmou o ministro, lembrando que o Brasil tem um cronograma para o aumento gradativo da mistura de biodiesel no diesel, que prevê B15 em 2023.

Questionado, o ministério não respondeu como ficará a situação da mistura em outro leilão para atender o último bimestre do ano, quando a oferta seguirá apertada.

INDÚSTRIA PROTESTA

O setor de biodiesel, contudo, disse que outros fatores têm colaborado para tumultuar o mercado, como o coronavírus.

Diante da queda na demanda por diesel anteriormente em função das medidas de isolamento, as distribuidoras de combustíveis pediram, e tiveram solicitação acatada pela ANP, para a redução de uma obrigação na retirada de biodiesel do leilão L72, com um corte de 95% para 80%. O certame foi para atender o mercado em maio e junho.

Mas depois da mudança na regra o consumo do combustível não se mostrou tão ruim quanto o esperado, o que resultou em leilões adicionais de biodiesel para suprir o mercado que foram marcados por uma disparada de preços de mais de 30% –a demanda interna por diesel em junho, aliás, superou o total visto em 2019, segundo dados da ANP.

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) destacou em nota que as alterações de regras realizadas desde o leilão L72 “trouxeram incertezas para a cadeia produtiva do biodiesel, que é responsável também pela oferta de alimentos”.

A Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) também se manifestou, lamentando as mudanças nas regras.

“Não é a primeira vez que há interferência de agentes de governo durante a realização de um leilão, sempre em prejuízo dos produtores ofertantes. Registra-se que as vezes em que houve oferta em maior quantidade e os preços acabaram ficando muito baixos, até mesmo com margens negativas… (e) não houve movimento para aumento de mistura, mesmo que demandado”, disse.

Mas a Aprobio admitiu que a oferta no leilão L75 foi “muito justa”, ressaltando que o preço é resultado de uma conjuntura de demanda mundial de soja.

A Aprobio disse ainda que há pelo menos dois meses os produtores alertaram ao governo de que seria imprescindível a viabilização de uma forma de financiamento que pudesse garantir a manutenção de um estoque estratégico de matéria-prima suficiente no país para atender à demanda no segundo semestre não só para o setor de biodiesel, mas, principalmente, para o setor de carnes, que demanda o farelo de soja, outro derivado da oleaginosa.

Já a Abiove ressaltou que, a despeito do aperto na oferta da matéria-prima, o setor tem se movimentado para a atender a demanda de biodiesel, realizando até mesmo recompras de soja que já tinha a exportação como destino.

A associação da indústria de soja, o principal produto de exportação do Brasil, disse mais cedo que “não admite o cancelamento das vendas realizadas, visto que essa ação causaria colapso na cadeia produtiva da soja e na comercialização de óleo, dado que a matéria-prima já foi comercializada, inclusive com recompras de soja que iria ser exportada para ser processada no Brasil”.

Em nota, a ANP afirmou que a comercialização de biodiesel do leilão L75 foi anulada após o governo decidir reduzir o percentual de mistura.

Segundo comunicado da agência reguladora, a etapa 3 do leilão será reiniciada com a mistura de 10%, ante 12% vigentes anteriormente. A ANP afirmou que o novo cronograma do leilão L75 será publicado em breve.

De acordo com a Abiove, mais de 1 bilhão de litros de biodiesel já haviam sido comercializados no leilão.

Apesar de o Brasil estar colhendo uma safra recorde de 125,5 milhões de toneladas, as exportações de soja estão crescentes, devendo atingir cerca de 80 milhões de toneladas, segundo a Abiove.

Ainda que não seja um volume anual recorde, os embarques da oleaginosa foram mais concentrados neste ano. De janeiro a agosto, estão estimados em 76,3 milhões de toneladas, ante 56,6 milhões no mesmo período do ano passado, segundo dados da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), que consideram os embarques e a programação dos navios.

(Por Roberto Samora; Edição de Luciano Costa e Nayara Figueiredo)