Cem anos de Zorro
Ele apareceu pela primeira vez na revista semanal All-Story Weekly, na edição publicada em 9 de agosto de 1919. Criada por Johnston McCulley, um escritor especializado em fabricar tramas ficcionais para livros e revistas de baixo custo (que deram origem à expressão pulp fiction), a história A Maldição de Capistranofez tanto sucesso que no ano seguinte ganhou uma adaptação para as grandes telas, com o novo nome de A Marca do Zorro. O protagonista era o então quase quarentão Douglas Fairbanks, galã daquele período inicial da época de ouro dos grandes estúdios norte-americanos. Foi o que bastou para o personagem Zorro – cujo nome é o equivalente à palavra raposa na língua espanhola – ser eternizado no imaginário da cultura pop do Século 20, tornando-se um personagem tão importante do crossoverentre cinema e literatura (quadrinhos, inclusive), como o Batman, o Super-Homem e o Tarzan.
Para criar seu personagem, McCulley se inspirou em uma lendária figura dos meados do século 19. Joaquín Murieta flutuava entre as atitudes patriotas e marca do bandoleiro, defendendo os índios nativos californianos dos ávidos e inescrupulosos “gringos” durante o período conhecido como a febre do ouro, quando o metal precioso desencadeou uma súbita migração em massa para o ocidente do território dos EUA, em busca de prosperidade financeira e, a reboque, a motivação gananciosa de ocupar as novas terras não importando quem já estivesse por lá. Por isso, Zorro ficou bastante conhecido por sua habilidade na luta com a espada. A indumentária incluía também chapéu, uma pequena máscara para ocultar o rosto e ninguém descobrir a identidade secreta de Don Diego Vega, um galanteador que finge ser rico para conquistar as mulheres da casta mais nobre da região do pueblode Los Angeles.
Outra influência para a criação de Zorro foi o romance Pimpinela Escarlate, escrito pela britânica Baronesa Orczy e publicado em 1905 após o sucesso de uma peça teatral com a mesma história. A obra era centrada no nobre inglês Percy Blakeney, que, durante a fase do terror na Revolução francesa, ajudava aos seus semelhantes franceses a escapar da morte pela guilhotina. Mestre do disfarce e das fugas, o personagem, mestre espadachim, sempre dava um jeito de escapar quando perseguido pela polícia.
O sucesso instantâneo de Zorro deu gás suficiente para McCulley escrever mais 60 histórias literárias com sobre as aventuras de Vega e seu alterego que deixava como marca registrada na roupa daqueles que combatia três rasgos formando a letra Z. Outros três longas foram lançados nos cinemas até 1940, sendo Fairbanks o intérprete também no segundo e, depois, sucedido por Robbert Livingston e Tyrone Power. A produtora do filme de 1936, com Livingston, também produziu cinco seriados para as telonas entre 1937 e 1949. Entre as modificações apresentadas por estes projetos estavam uma versão pós-industrial (com carros, trens e aviões), a troca da espada por um revóvler e a presença de uma protagonista feminina, batizada como Chicote Negro. Em 1957, a Disney adquiriu o direito do personagem para um seriado televisivo que durou até 1961, teve 78 episódios gravados, eternizou o relinchar sobre duas patas do cavalo Tonto, alçou o Sargento García ao posto de principal nome entre os antagonistas militares e gerou várias histórias em quadrinhos, desenhadas por Alex Toth, o ilustrador e animador que criou personagens míticos de Hanna-Barbera como Space Ghost, Herculóides, Homem Pássaro, Galaxy Trio e Jonny Quest. Dos anos 1960 em diante, Zorro ainda foi adaptado para muitas outras produções especiais para o cinema e a TV (uma no Brasil, exibida pela Bandeirantes), mais novelas e desenhos e outros tipos de animações (inclusive um anime japonês na década de 1990).
Em filmes, o último intérprete foi o ator espanhol Antonio Bandeiras, que comandou o elenco de duas produções, A Máscara do Zorro(1996) e A Lenda do Zorro (2005). Apesar do apelo popular do ator, um dos principais galãs do cinema mundial das últimas décadas, as produções não tiveram efusivas críticas e resultados de bilheteria. Em mundo cada vez mais conectado graças às grandes evoluções na velocidade da comunicação e na evolução tecnológica, Zorro havia perdido muito de seu charme no final do século 20. Crianças, jovens e adultos apresentavam outros interesses e paixões no dia a dia do que histórias de heróis espadachins.
Está previsto para chegar em breve nos cinemas uma nova versão de Zorro, com as atualizações necessárias que o personagem precisa apresentar neste Século 21 para ganhar novos fãs e voltar a ser um grande sucesso popular. Jonas Cuarón, filho do diretor mexicano Alfonso Cuarón, assina o filme, inclusive seu roteiro. O ator mexicano Gael García Bernal estará no elenco mas não será o protagonista. Ele será o mentor e professor de uma jovem interpretada pela atrizKiersey Clemons, birracial e queer, em um futuro pós-apocalíptico. Nesta versão futurista, com cenas rodadas nestes meses de junho e julho na República Dominicana e que se chamará apenas Z, Zorro estará atrás de um governante tirano e enfrentará vários de seus capangas mercenários.
Enquanto ainda não se define a data de lançamento do novo longa-metragem, os fãs da criação de McCulley podem comemorar o centenário do personagem com uma nova série de quadrinhos de terror com o personagem. Zorro: Sacrilegefoi produzida pela editora independente American Mythology, com as histórias (e algumas capas) desenhadas pelo brasileiro Mauricio Melo. A capa da edição de estreia trouxe a assinatura de Michael Kaluta, lenda das HQs de super-heróis e pulps na ativa desde os anos 1970 e que já faz diversos trabalhos para editoras como DC/Vertigo, Marvel e Dark Horse.