Kursk e a tentativa de resgate de marinheiros presos em submarino que explodiu em 2000
Cotação: ★★★
Existem dois Thomas Vinterberg na história do cinema. Na década de 1990 o mundo conheceu aquele jovem revolucionário dinamarquês que, antes dos trinta anos de idade, lançou uma proposta radical para o cinema do fim do século 20: o controverso Dogma 95, com restrições quanto ao uso de técnicas e tecnologias e conteúdos controversos e normatizados para apresentar algo mais realista e conceitual. Outro é o diretor mais recente, dos últimos trabalhos, falados na língua inglesa, com atores e profissionais com fama em Hollywood ou no cinema europeu e uma boa intenção comercial por trás da história levada às telas.
Como em seu mais novo filme, Kursk – A Última Missão, lançado em diversos países europeus no segundo semestre de 2018 e que só agora chega aos cinemas brasileiros. Nele, Vinterberg conta a trágica história do submarino russo Kursk, celebrado pela Rússia pós-União Soviética como um potente aliado para estratégias militares mas que acabou afundando, após apenas alguns anos de funcionamento, por causa de uma sucessão de explosões internas ocorridas no dia 12 de agosto de 2000. Na melhor escola dos filmes-catástrofe – que tiveram seu apogeu nos cinemas entre as décadas de 1970 e 1980 – Vinterberg trabalha com o drama vivido na ocasião, tanto pelos tripulantes presos em um compartimento e com a esperança da chegada de alguma missão salvadora quanto dos familiares em terra firme aflitos com a falta de notícias oficiais da marinha russa sobre o que está ocorrendo no fundo do Oceano Ártico, mais precisamente no Mar de Barents.
Quando o assunto é fotografia, o que Vinterberg leva às telas é bastante majestoso, mesmo sabendo-se que houve uma farta ajuda de profissionais de CGI. Os planos gerais contribuem para a grandiosidade do cenário no litoral noroeste russo. Quanto as cenas passam para o interior do submarino, a exploração de variados ângulos dentro de um espaço claustrofóbico também revelam a criatividade do diretor.
Se o visual encanta pela magnitude, o conteúdo da mensagem vai pelo caminho inverso e perturba o espectador. O descaso da marinha russa frente à ajuda oferecida pelos Estados Unidos e outras nações europeias diante da dificuldade do resgate dá o tom para quem acompanha o drama na superfície. Esposas e familiares dos tripulantes do Kursk, no meio de toda a tensão diante da falta de notícias, sofrem com o silêncio absoluto das altas patentes diante do caso. Sem ter muitas informações sobre procedimentos de resgate, as pessoas que vivem ali na comunidade costeira por causa da Marinha ficam à mercê do jogo de interesses estatal. Em tempos de conflitos bélicos e na iminência de mais uma guerra envolvendo potências mundiais, o subtexto trazido pelo roteiro escancara o mais completo descaso governamental com vidas humanas, seja as de quem serve ao seu país como a das pessoas envolvidas ao redor. Soa como um grande alerta de como seres humanos podem manipulados sem muitos escrúpulos em qualquer parte do planeta.
O que acaba enriquecendo Kursk – A Última Missão e salvando o filme de ser uma obra banal sobre tragédia, heroísmo e catástrofe é justamente o viés crítico superando a exaltação pelo lado humano da história. Vinterberg, agora com meio século de vida, apesar de ainda ser ótimo diretor, parece estar conformado e acomodado, bem distante daquele rapaz que balançou as estruturas do cinema dos anos 1990 com ousadia e conceito. As contas não param de chegar todo mês e por isso os riscos devem ser bem menores, em nome da possibilidade de continuar a se fazer e viver de cinema. Até mesmo lá na Europa ocidental.
Kursk – A Última Missão (Kursk, Bélgica/Luxemburgo/França/Dinamarca, 2019). Direção: Thomas Vinterberg. Roteiro: Robert Rodat. Com Matthias Schoenaerts, Léa Seydoux, Peter Schimonischek, August Diehl, Max Von Sydow, Colin Firth, Artemiy Spiridonov. Paris Filmes. 117 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 9 de janeiro.