Rocketman dá gás ao filão de cinebiografias da música pop

Publicado em 5 jun 2019, às 00h00.

Cotação: ★★★ O diretor pode até ser o mesmo mas Rocketman chegou como um grande alívio a todos aqueles que saíram reclamando de todas as incongruências temporais e do roteiro fraquíssimo de Bohemian Rhapsody, que levou a história do Queen para os cinemas no final do ano passado.

Desta vez, Dexter Fletcher – chamado de última hora para finalizar o trabalho incompleto de Bryan Singer, despedido durante as filmagens de Bohemian Rhapsody – leva às telas os conflitos pessoais de Reginald Dwight antes e depois de criar a persona Elton John, com a qual obteve fama mundial na música pop na primeira metade dos anos 1970. Sabiamente, porém, em conjunto com o roteirista Lee Hall, desloca o fardo de contar uma história biográfica para o segundo plano por um trunfo maior em mãos: o alto potencial imagético, lírico e sonoro das canções escritas pelo cantor e pianista ao lado do eterno parceiro e letrista Bernie Taupin.

Assumindo a faceta do musical, Fletcher pode até deslocar temporal e contextualmente algumas das canções mais famosas do artista inglês (e acontecimentos referentes à sua trajetória), mas ganha pontos ao reforçar a narrativa dos demônios internos enfrentados por Reggie desde a infância (quando descobre o poder da música como um meio de sobreviver à falta de atenção, amor e carinho da família, sobretudo do pai) até a vida adulta. Assim, explora metáforas, cores, sonoridades e atitudes dos personagens envolvidos. Tudo bem que quem torce o nariz para musicais (“aquele gênero cinematográfico onde, do nada, no meio de um diálogo, uma pessoa começa a cantar e surgem bailarinos dos cantos da tela, ao fundo, para fazer coreografias ensaiadíssimas que nunca poderiam existir se a cena fosse de fato uma representação da vida como ela é”, sempre dizem os detratores mais chatos) vai continuar torcendo o nariz para Rocketman, justamente por isso. No entanto, esta saída leva às grandes delas um filme digno da competência, exuberância e de toda a extravagância que marcaram a trajetória inicial de Reggie como Elton John.

Taron Egerton, jovem ator britânico em ascensão em Hollywood, brilha muito como a própria estrela que representa. Assume Elton por inteiro não apenas na caracterização ou nos figurinos exóticos (recriados especialmente para o filme), mas também no gogó, soltando ele mesmo a voz nos arranjos desenhados para a produção. Mas outros nomes do elenco também fazem valer a atuação, de Bryce Dallas Howard (Sheila, a mãe de Reginald) a Richard Madden (o empresário “vilão” e ex-namorado John Reid), passando pelos meninos que fazem o protagonista durante a infância e adolescência (Matthew Illesley e Kit Connor) e Jamie Bell (Taupin).

Claro que, para a plateia sentada nas poltronas dos cinemas, todas as qualidades de Rocketman nunca vão superar a força de várias das canções clássicas de Elton e Bernie escaladas para a trilha sonora. Estão lá, algumas somente em introduções” ou trechos instrumentais, prontas para fazer todo mundo soltar a voz junto e baixinho, “Your Song”, “Candle In The Wind”, “Take Me To The Pilot”, “Crocodile Rock”, “Daniel”, “Border Song”, “Honky Cat”, “Tiny Dancer”, “Bennie And The Jets”, “Don’t Let The Sun Go Down On Me”, “Saturday Night’s Alright (For Fighting)”, “Goodbye Yellow Brick Road” e “Rocket Man”, entre algumas outras. Até mesmo spin-offs de álbuns da careira (como a disco music em dueto com Kiki Dee “Don’t Go Breaking My Heart” e a releitura de “Pinball Wizard” para o longa-metragem Tommy) estão incluídos no cardápio, assim como a parca produção pop de qualidade dos anos 1980 (“Sorry Seems To Be The Hardest Word”, “I’m Still Standing”, “Sad Songs”). Tem ainda uma faixa inédita como atrativo para os créditos finais: “(I’m Gonna) Love Me Again”, com as vozes de Elton e Taron.

Com sucessos de crítica (Rocketman) e bilheteria (Bohemian Rhapsody), o filão de artistas da música pop biografados no cinema parece ter encontrado uma porta escancarada para ser explorado vorazmente pela indústria. Aretha Franklin e Boy George já foram anunciados como os próximos a serem transportados às telas. Agora é esperar que a superexposição e a consequente criação de fórmulas de sustentação de bilheterias não o façam se esgotar tão rapidamente.

Rocketman (Reino Unido /EUA, 2019 – Paramount). Direção: Dexter Fletcher. Roteiro: Lee Hall. Com Taron Egerton, Jamie Bell, Richard Madden, Bryce dallas Howard, Gemma Jones e Steve Macintosh. Paramount. 121 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 30 de maio.