Vanguart faz homenagem a Dylan gravando um disco somente com suas músicas
Que Bob Dylan sempre foi uma das principais influências isso sempre foi público e notório. Inclusive, nesta última década, a banda vem sendo chamada para realizar alguns shows ocasionais dedicados somente ao repertório do cantor e compositor norte-americano agraciado com o Prêmio Nobel de literatura em 2016. Com isso surgiu o convite para fazer um programa de televisão tocando as músicas de Dylan. O quarteto mostrou-se tão íntimo e afiado neste território que o produtor Rafael Ramos não pensou duas vezes antes de convocar os músicos para gravar um disco-tributo.
Vanguart Sings Bob Dylan acaba de ser lançado pela gravadora Deck no final de junho com um total de dezesseis hinos dylanescos. Quinze deles vêm anos 1960 e 1970, consideradas as melhoras fases do artista. Entre eles estão clássicos como “Just Like a Woman”, “The House Of The Rising Sun”, “Like a Rolling Stone”, “It’s All Over Now, Baby Blue” e “Blowin’ In The Wind”. Apenas uma das faixas, gravada em 1997, representa a fase mais recente da discografia do americano.
Por telefone, de sua casa, Helio Flanders, vocalista e fundador do Vanguart (que começou em 2002 como um projeto solo seu na cidade de Cuiabá, mas rapidamente se transformou em banda), conversou com o Ric Mais sobre o novo disco, as gravações e a obra de Dylan.
O que levou a banda a gravar um disco apenas com canções de Bob Dylan?
Na verdade temos um show meio pronto assim. Começou em 2010, repetimos em 2012 e depois 2014, 2015… Ele não é algo frequente mas fazemos uma vez ou outra nesses últimos anos. Na verdade este convite feito pelo nosso produtor Rafael ramos depois de ter visto a gente tocando Dylan na televisão veio bem a calhar. Nos sentimos em uma entressafra de composições. Eu e o Reginaldo [Lincoln, baixista]estamos nos dedicando a outras coisas, como traduções de poemas. Lançamos um álbum em 2017 e ele ainda está reverberando em nossas cabeças. Portanto foi superprazeroso entrar em estúdio para gravar músicas que a gente já conhecia, tocava e de que gostávamos.
Como se deu a escolha do repertório? A maioria das músicas vem da primeira fase do Dylan, desde o tempo folk com violão até a eletrificação do som e o acompanhamento pelos integrantes da Band. Há ainda um punhado de faixas dos meados dos anos 1970 e uma somente de uma safra mais recente de discos dele.
Testamos muitas coisas. Tínhamos um leque variado de opções na mão. Cerca de trinta músicas estavam no repertório destes shows especiais. Então fomos cortando muita coisa. “Mr Tambourine Man” é uma das que não entraram, por exemplo. Mas paciência… Já temos várias opções para um Vanguart Sings Bob Dylan Vol.2! [risos] Precisamos de apenas um ensaio para poder identificar as faixas que entrariam neste disco e ver o que poderia ser aproveitado agora. Só teve uma faixa, “I’ll Keep It With Mine”, que não estava no set do show e acabou incluída. Foi tudo tão fácil e natural que gravamos tudo em quatro dias. Tocamos quase sempre todo mundo junto ao mesmo tempo, em dois ou três takes para cada música apenas. Sem metrônomo, eu no aquário olhando para o baterista em outra sala… Foram poucas as vezes em que gravei somente voz e violão em separado. Também este e um repertório com o qual não combina o perfeccionismo. Tem de ser assim mesmo.
Normalmente as canções de Bob Dylan têm letras muito compridas. Como você fez para gravar todas elas? Botava algo escrito ao lado e ia olhando enquanto cantava?
Não! EU sou a prova viva de que memória tem a ver com a genética e não tem qualquer ligação com a cannabis…[risos] Eu sei quase tudo de cor! Também, né, são uns vinte anos tocando essas músicas do Dylan… Só “Hurricane” que eu deixei pro David [Dafré, guitarrista] cantar… [risos] Estou brincando, há outras duas faixas com a voz do Reginaldo, que são “I Shall Be Released” e “It’s All Over Now, Baby Blue”. E tem uma com a da Fernanda [Kostchak, violino], “The House Of The Rising Sun”. Esta foi a primeira vez que ela gravou um vocal principal desde que entrou na banda. Isso é muito bom porque acaba por acrescentar novas camadas, novas linguagens para os fãs.
Falando sobre ela, vocês gravaram algumas faixas daquele miolo dos anos 1970, quando Dylan tinha justamente a violinista Scarlet Rivera gravando e tocando ao vivo com ele. Mas a Fernanda ainda encaixa o instrumento nas canções de outras fases…
Pois é! Foi um deleite gravar isso com a Fernanda tocando violino. Ainda mais nessas cinco músicas, nas quais três a Scarlet só tocava nos shows do Dylan. Aliás esta é a minha favorita entre as fases dele!
Por quê?
Considero que ele esteja numa época muito madura como compositor. Primeiro porque conseguiu se reinventar depois de tudo o que já havia feito nos anos 1960, quando ali, depois de gente como George Gershwin e Cole Porter, ele se firmou como o maior autor de música pop de todos os tempos. Esta primeira fase era marcada pela riqueza de imagens poéticas e a força do discurso. Quando ele voltou ali em meados dos anos 1970, suas narrativas estavam bastante sofisticadas, para mim em um nível assim como o do Rimbaud. As letras estavam bastante complexas naquela época e já absorviam muito da linguagem ultrapopular das ruas. Eram histórias fragmentadas, que misturavam muito tempo e pessoas.
“Make You Feel My Love” é a única faixa da safra mais recente de Bob Dylan. Você gosta do álbum no qual ela está, Time Out Of Mind, de 1997?
Esta é uma balada ao meu jeito, ainda mais agora que estou tocando mais piano. Mas deste disco eu poderia gravar todas as outras. Gosto muito também desta produção mais recente dele. Há coisas sublimes, são músicas incríveis. E olha que eu sempre fui muito crítico em relação ao Dylan. Não gosto de toda a obra dele, mas quando ele acerta a mão eu consigo me reconhecer ali.
Já viu Dylan tocar ao vivo?
Só um show, aqui em São Paulo. Da outra vez que ele veio a gente tinha show marcado em outro lugar. Mas, de uma maneira geral, estou sempre acompanhando o que ele anda fazendo.