Crítica: Mulan

por TOMMO
Publicado em 17 set 2020, às 22h36.

O leque de live-actions da Disney não dá sinal de enfraquecimento, mesmo condensando todo o tipo de recepção e ceticismo do público. De uns tempos para cá, já foi possível revisitar inúmeras obras marcantes do universo das animações clássicas. Estas que atingem em cheio o público proprietário da fita cassete verde de O Rei Leão. Sim, você aí, um ou uma possível millennial. Agora chegou a vez de Mulan ganhar uma versão de carne e osso, mas considerando o abismo contextual que há entre o anos de 1998 e 2020. E essas influências temporais que interferem na trama, não são poucas, seja para o bem ou para o mal.

A história é puro suco do original: Mulan é uma jovem destemida que se comporta completamente fora dos padrões de sua época e se disfarça de homem para lutar contra invasores. Ela se alista no lugar de seu pai, que encontra-se debilitado e sem um filho homem para lhe suceder no campo de batalha. É notável o disparate entre as versões no tom da diretora Niki Caro, a mesma de Callas e Anne With an E, certamente fazendo um aceno ao mercado chinês, onde habita uma das maiores galinhas de ouro da Disney.

Quem esperava se divertir com as aparições de Mushu ou com as cenas engraçadas protagonizadas pelo cavalo Khan, por exemplo, pode acabar se frustrando. O longa de 2020 é substancialmente centrado na cultura que perdurou na Dinastia Wei do Norte, há mais de 1,5 mil anos, isto é, segue um caminho mais maduro, pouco se diverte, e evita escatologias, embora arranque algum sorriso.

Em contrapartida, a essencial está intacta. Locações, vestimentas, acontecimentos, rostos, o vermelho com o branco… tudo foi pensado para gerar assimilação instantânea. É uma pena que o mesmo cuidado não se refletiu no CGI (ou efeitos especiais), que certamente é um dos piores já produzidos nessa leva mais recente de live-actions da Disney, sobretudo no início do filme.

Projeções pobres, movimentos nada plásticos e incongruências visuais que não passam despercebidas aos olhares mais atentos. Só vale aliviar a barra para as cenas baseadas em O Tigre e o Dragão, que ali fazem sentido. Também é decepcionante o quão apressado giram o roteiro, utilizando-se de cortes abruptos e rasteiros para apressar o prosseguimento da trama, de modo vil e preguiçoso. Se era a única opção fazê-lo, faltou elegância.

Entre erros e acertos, o elenco se encaixa no segundo pelotão. O destaque certamente vai para Liu Yifei, já vista em Once Upon a Time, que encarna a heroína de corpo e alma, sobretudo por conseguir dar vida com primazia a uma personagem que é exemplo de força feminina na cultura pop, bandeira que fazem questão de hastear com endosso na versão live-action. Donnie Yen, Jet Li, Gong Li, Jason Scott Lee, entre outros, não deixam por menos, entregando boas participações que pouco devem para as versões originais.

É nítido que o live-action de Mulan foi pensado para agradar o público oriental, mesmo sob as discórdias políticas que vem enfrentando por lá, além dos entraves da pandemia que empurraram a produção direto para o Disney Plus, serviço de streaming que está para desembarcar em terras tupiniquins. Não é possível revisitar o mesmo sentimento de 1998, mas a essência da lendária heroína está lá. Certamente dá para matar a saudade.