Cotação: ★★★
Para muita gente que trabalha com arte, o exercício da criação depende muito da inspiração. Nem todo dia pode se obter bons resultados, mas o melhor da produção durante um certo intervalo de tempo é selecionado para ser revelado já que a constância produz resultados irregulares que muitas vezes o artista prefere nem mostrar publicamente. Woody Allen é um exemplo contrário disso. Para ele, escrever e dirigir filmes significa transpiração. Com chuva, neve ou sol escaldante, ele está sempre pronto e disposto a trabalhar. Não importa o que aconteça, nem os contratempos. Pelo menos um novo título ele precisa lançar a cada temporada.
Um Dia de Chuva de Nova York é o nome de sua atual empreitada cinematográfica. Extremamente metódico e conservador em seu modus operandi, Allen faz de seu novo filme um ritual bastante semelhante às obras mais recentes. Trabalha com um elenco formado por punhado de atores celebrados no ocasião – que trabalham sempre com cachês de acordo com a tabela do sindicato – e põe como protagonista um casal em crise – provocada de diversas formas – e tentando resolver suas diferenças. O protagonista masculino, porém, deve ser sempre um fiel espelho de sua personalidade. Como há muito tempo tornou-se inverossímil interpretar personagens jovens ou de meia idade, Woody transfere para ele tudo aquilo que pensa e gostaria de dizer e fazer diante de tal situação. Servem como alteregos do diretor/roteirista projetados na tela para continuar divertindo o séquito de fãs que sempre esperam uma tirada mais irônica ou engraçadas e determinadas observações nada usuais sobre cenas cotidianas. Claro que como adicionais vem uma penca de referencias pessoais do autor.
Neste filme, o badalado Timothée Chalamet faz as vezes de Woody Allen. Quer dizer, Gatsby Welles, estudante universitário nova-iorquino que vê em um fim de semana a grande chance de retornar à megalópole onde cresceu e estudara no colégio sem, entretanto, reconectar-se ao núcleo familiar e, em consequência, à chatice da vida coxinha e aristocrática deles. Tudo porque a namorada, a colega de faculdade e aspirante de jornalista Ashleigh Enright (Elle Fanning, outro nome em ascensão nos elencos hollywoodianos dos últimos anos), tem a chance de ir a Manhattan para entrevistar um famoso diretor de cinema e conseguir um pouco de ascensão e notabilidade já no início da carreira.
Após a chegada em NY, nada mais dá certo como o planejado por ambos. Uma série de intempéries acontece simultaneamente aos dois assim que se separam para que Ashleigh possa concretizar, inicialmente, a sua missão profissional. Garota ingênua do meio-oeste, ela acaba se vendo enredada por uma combinação de situações que a levam a ter cada vez mais contato com os bastidores do mundo do cinema, entrando em contato com personalidades conflitantes com a sua. Se por um lado ela é confiante, ambiciosa e de certa forma conformada com sua limitação de conhecimento, também opta por surfar na onda que acaba a levando, inocentemente, para lá e para cá. Envolve-se na vida pessoal do diretor Roland Pollard (Liv Schreiber) e através dele envolve-se de maneira confusa e nada auspiciosa com o roteirista Ted Davidoff (Jude Law) e o charmoso galã latino Francisco Vega (Diego Luna). Enquanto isso, Gatsby chafurda no reencontro com seu passado já um pouco distante, revendo amigos, colocando-se em situações não menos absurdas e ainda por cima provocando uma grande confusão em sua cabeça quanto ao relacionamento com Ashleigh, que acaba por se tornar uma estrela fugaz dos noticiários de fofoca.
Durante uma hora e meia Woody Allen constrói mais uma história agradável sobre relações humanas nas ruas e locações nova-iorquinas. Desta vez com uma extremada dose caricatural de humor sobrepondo a ironia e o certo tom racional que fez a sua fama em Hollywood nas primeiras décadas da carreira. A correnteza de situações que puxam uma a outra também parece seguir o tom escrachado de comédia mais acentuada do que o normal de seus clássicos – o que sugere um grande aceno em direção à comedia de erros. Já a construção de personagens não faz muita diferença para quem já viu diversos outros filmes do autor – pelo contrário, alguns destes tipos secundários parecem inventados de modo afoito, apenas para poder caber na história e justificar as idas e vindas emocionais de Gatsby e Ashleigh.
Um Dia de Chuva em Nova York pode até desapontar quem segue com mais fervor a carreira do cineasta, revelando-se um dos títulos mais fracos de sua extensa filmografia – embora, ainda assim, uma obra marromeno assinada por Allen possa ser bem superior a tantos blockbusters despejados frequentemente nas grandes telas do mundo inteiro. No fim, o hábito de oferecer anualmente uma nova história enfim se encaixa com a ambientação desta última, na qual uma chuva intermitente acaba atrapalhando o dia inteiro de Gatsby Welles e colocando água em suas pretensões iniciais. De novo, Woody se projeta metaforizado pelo seu protagonista. Não poderia haver figura de linguagem melhor para este longa-metragem.
Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day IN New York, EUA, 2019). Direção e roteiro: Woody Allen. Com Timothée Chalamet, Elle Fanning, Liev Schreiber, Selena Gonez, Diego Luna, Jude Law. Imagem Filmes. 92 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 21 de novembro.