As relações amorosas são uma fonte de felicidade, companheirismo e apoio emocional, além de contribuir para o nosso desenvolvimento como ser humano, mas também podem ser um terreno fértil para o fortalecimento de comportamentos destrutivos e abusivos e que podem resultar no desamparo aprendido, tema principal deste artigo.
É valido ressaltar que esse fenômeno pode ocorrer em relacionamentos de todos os gêneros e orientações sexuais. Homens, mulheres, pessoas trans e não-binárias, em relacionamentos hetero ou homoafetivos, todos nós de certa forma estamos sujeitos a experimentá-lo. No entanto, devido à minha especialização dentro do universo feminino, abordarei o tema dentro das relações amorosas sob a perspectiva das mulheres.
O desamparo nas relações amorosas pode ser uma experiencia particularmente dolorosa e desafiadora. Quando nos envolvemos emocionalmente com outra pessoa, e depositamos expectativas e confiança nessa relação. No entanto, nem sempre as coisas acontecem como esperamos, e muitas vezes nos vemos diante de uma sensação de desamparo quando nossas necessidades emocionais não são atendidas.
Está relacionado à tendência de uma pessoa em se sentir impotente e incapaz, sem força e iniciativa para mudar tal situação, em muitas vezes sequer perceber que está presa a um padrão de comportamento adoecido.
É o sentimento de estar “presa” ao indivíduo que a fere todos os dias, que incapacita, que diminui, que invalida, que poda seus sonhos, e isso pode resultar num sentimento de frustração, desesperança e desânimo, além de comprometer seriamente sua autoestima e autoconfiança. Colocando em risco sua saúde emocional e psíquica, além de impactar outras áreas da vida.
Isso pode acontecer quando a pessoa passa por uma série de experiências dolorosas ou traumáticas e percebe que não tem controle sobre essas situações, sequer pode mudá-las. Em outras palavras, quando uma pessoa se sente incapaz de mudar sua realidade, até mesmo acredita verdadeiramente, que talvez nem mereça.
Pode ainda, se manifestar de outras formas, a exemplo, quando uma pessoa que foi traída várias vezes, pode acabar desenvolvendo a crença de que não importa o que ela faça, sempre será traída, o que leva a desistir de lutar. Ou ainda, uma pessoa que se acostumou a ser humilhada e desvalorizada pelo parceiro, pode chegar a acreditar que não merece ser tratada com respeito e amor.
Ou ainda, uma pessoa que se acostumou a ser humilhada e desvalorizada pelo parceiro, pode chegar a acreditar que não merece ser tratada com respeito e amor.
Outro exemplo é não conseguir reconhecer um padrão abusivo, por ter recebido em sua infância o mesmo tratamento inadequado e acredita que é normal e que nem é capaz de ter uma relação melhor, além de não se sentir merecedora de amor e afeto saudável.
Ainda, devido à falta de confiança e ao medo do desconhecido, não conseguem tomar decisões importantes, incluindo a decisão de terminar. Bem como, a repetição dos padrões, vivem as mesmas angústias, mesmo em relações diferentes, por se sentirem mais confortáveis, ao que lhe parece familiar, mesmo que prejudiciais. Estes são apenas alguns dos impasses e desafios vivenciados nas relações amorosas diante do desamparo aprendido.
Tal cenário, pode ser ainda mais agravado em relações abusivas, em tomar a decisão, em que há uma desigualdade de poder entre os parceiros, potencializando a incapacidade diante da perda da segurança financeira, devido as barreiras emocionais e psicológicas. A vítima também pode se sentir incapaz de talvez sustentar os filhos, sentir vergonha perante o meio social, além de acreditar que a relação ainda pode ser salva.
O abusador pode usar táticas como ameaças, coerções, intimidações e violência para controlar a vítima, até mesmo usar os filhos, o que pode fazer com que ela se sinta ainda mais impotente e incapaz de sair da relação. Se trata, muitas vezes de uma construção psicológica apoiada em forte manipulação, onde a vítima muitas vezes é colocada no centro de uma teia, ficando suscetível e ainda mais vulnerável, contribuindo para que ela perca cada vez mais a sua própria identidade.
Obviamente, todas as experiencias já vividas desde a sua infância podem e potencializam ainda mais a experiencia deste presente, por isso, para o indivíduo que desenvolve o desamparo aprendido, tal cenário de dor passa a ser a sua sentença de vida, não enxergando qualquer possibilidade de um novo horizonte.
Com certeza, a psicoterapia é uma abordagem eficaz para ajudar as pessoas a superar o desamparo aprendido, desenvolver as habilidades emocionais e nova consciência. De fato, muitos estudos têm demonstrado a eficácia da psicoterapia no tratamento relacionados a problemas de relacionamento, incluindo o desamparo aprendido e relações abusivas.
A psicanálise pode oferecer uma contribuição significativa para o desenvolvimento da independência emocional e psíquica e para o tratamento do desamparo aprendido nas relações amorosas. A abordagem psicanalítica, em particular, se concentra na exploração dos processos inconscientes que podem influenciar o comportamento e as emoções.
Um estudo (1) publicado no International Journal of Psychoanalysis em 2017, por exemplo, analisou como a psicanálise pode ajudar pessoas em relacionamentos abusivos a desenvolverem um senso de independência emocional e psíquica. Os resultados mostraram que a psicanálise pode ajudar as pessoas a reconhecerem e confrontarem seus próprios padrões de comportamento e pensamento, permitindo que desenvolvam uma maior compreensão de si mesmas, e suas reais capacidades.
Em um outro estudo (2) no Journal of Marital and Family Therapy em 2015 concluiu que a terapia de casais pode ser eficaz no tratamento de casais em que um ou ambos os parceiros experimentam o desamparo aprendido. Os resultados mostraram que a terapia de casais foi associada a uma redução significativa na sintomatologia do desamparo aprendido e uma melhoria geral na satisfação conjugal.
Além disso, o estudo(3) publicado no Journal of the American Psychoanalytic Association em 2014, enfatizou a importância de um processo terapêutico que ajude a pessoa a explorar e entender os padrões de pensamento e comportamento que levam ao desamparo aprendido, para poder desenvolver uma maior autonomia e independência emocional.
Esses estudos destacam a importância de o indivíduo estar sendo apoiado por profissional especializado, para que as chances sejam reais e efetivas. Mas é importante lembrar que superar o desamparo aprendido e romper uma relação abusiva requer muito mais amor e coragem que imaginamos, além de um planejamento cuidadoso, pois a vítima necessita descontruir esse padrão aprendido.
Desenvolver sua autoestima, aprender a se valorizar e acreditar em suas próprias capacidades. Isso inclui desenvolver nova percepção de si, definir limites saudáveis, a dizer “não” quando necessário e a se afastar de pessoas que colocam em risco sua integridade emocional e psíquica. Aprender a reconhecer suas próprias necessidades e desejos e expressá-los de forma clara, sem medo do julgamento ou abandono.
Costumo dizer que, a vida é relacionamentos, e o principal relacionamento que precisamos desenvolver na vida, e que, é a base para se construir relações saudáveis em todas as áreas – é a relação que você tem com você mesma! Então, é preciso se conhecer para se respeitar. O mundo só respeita quem se respeita.
Pois quando eu me conheço e sei o meu valor, eu me respeito acima de tudo, uma vez que conhecimento é poder, somente ele é capaz de trazer a independência emocional que todos precisam, para que, de um lugar saudável seja desenvolvida uma visão madura e consciente sobre a vida e as relações, desta forma, será natural escolher parceiros que o valorizam e o respeitam.
Isso inclui, buscar por pessoas que compartilham os mesmos valores e interesses, e que estão dispostas a seguirem ombro a ombro em uma parceria equilibrada, pautada no respeito, confiança e amor mútuo, assim ambos crescem e se desenvolvem, construindo um relacionamento saudável e duradouro, e assim, poderão ensinar os seus filhos como amar de forma saudável e nutritiva.
Independente se você nasceu em meio a uma família disfuncional (o que representa boa parte de nossa sociedade), vivenciando o desamparo de todas as formas e seguiu para a vida adulta potencializando o mesmo aprendizado, eu digo que é possível, basta querer e buscar ajuda. A nossa jornada evolutiva é individual, ninguém pode fazer pelo outro, deixo aqui o convite a começar hoje a desenvolver uma relação de respeito e amor por você mesmo! Pois vale a pena, você pode descobrir um novo mundo e ser muito feliz.
Referências das pesquisas:
Estudo1: “Psychoanalysis and Domestic Violence: Can Psychoanalysis Help Abused Women to Develop Emotional and Psychic Independence?” (Psicanálise e Violência Doméstica: A Psicanálise Pode Ajudar Mulheres Abusadas a Desenvolver Independência Emocional e Psíquica). O estudo foi realizado por duas pesquisadoras, Annalisa Sannino e Giovanna Ambrosio, ambas psicanalistas italianas.
Estudo2: Benson, L. A., McGinn, M. M., & Christensen, A. (2015). Common and specific ingredients in couple therapy for depression: A systematic review. Journal of Marital and Family Therapy, 41(2), 145-161. Ingredientes comuns e específicos na terapia de casais para a depressão: uma revisão sistemática.
Estudo3: Chessick, R. D. (2014). Psychoanalytic Treatment for Learned Helplessness. Journal of the American Psychoanalytic Association, 62(1), 29-52. A pesquisa foi realizada por Richard D. Chessick, um psiquiatra e psicanalista norte-americano, e foi publicada no Journal of the American Psychoanalytic Association em 2014.