Quem é fã dificilmente enxerga em seu artista favorito um produto ou marca. Numa primeira análise a gente enxerga apenas alguém fora de série, um ser humano que “beira à perfeição” e que parece alcançar o sucesso de forma natural, quase por um merecimento mágico por seu sucesso, esforço e talento.
Assim, como fã de Sandy & Junior, também eu vinha olhando para o projeto “Nossa História”, fenômeno de bilheteria e faturamento, apenas com olhos de fã. Mas aqui estou para vestir a persona de marqueteira e trazer alguns insights sobre o trabalho de MKT envolvido em tudo isso.
O lançamento da turnê comemorativa que a dupla lançou no início do ano mexeu com o coração e bolso de pessoas e empresas no Brasil e fora dele (já que a turnê se estendeu por Europa e EUA) e apresenta dados impressionantes:
- cerca de 500.000 ingressos vendidos em uma turnê que passará por apenas 11 cidades (possivelmente as vendagens mais significativas da história de turnês do país).
- 90.000 ingressos para os shows de São Paulo e Rio de Janeiro, esgotando-se em apenas 1 hora.
- fãs passando noites em claro à espera de sua vez na fila virtual para comprar o ingresso.
- ingressos custando até R$ 3.200.
- souvenirs vendidos nos shows por até R$ 230.
- e assim por diante.
E embora a equipe envolvida e os artistas afirmem que foram surpreendidos com tamanho sucesso e decidiram tudo apenas este ano, acredito que o projeto não nasceu da noite para o dia. O resultado pode realmente ter sido superior ao esperado, mas é certo que houve muito planejamento e a certeza sobre o retorno do investimento, haja vista o tamanho da produção.
E das muitas lições de planejamento e Marketing que este projeto traz, elenco aqui alguma delas: “Fique atento às tendências”; “Desperte o desejo”; “Utilize um plano de mídia 360º”; “Faça parcerias de co-branding;” “Tenha o storytelling perfeito e uma marca consistente”; “Entregue além da expectativa” e “Faça com comprometimento e suor”.
Detalho a seguir cada um destes pontos.
Fique atento às tendências – a newstalgia:
Foi-se o tempo em que um fenômeno de consumo ou cultura nascia fora do país e levava meses para chegar aqui. Hoje, depois de nascer lá fora, chega muito rapidamente. E uma destas tendências, a Newstalgia, pode ter sido decisiva para o projeto de retorno da dupla.
A Newstalgia significa, entre outras coisas, que está em alta reviver um passado trazendo-o com ares de novidade. E reviver parte do passado é algo que todos queremos, pois traz conforto e memórias. Esta tendência ganha mais força porque, atualmente, este passado está totalmente acessível: para se ouvir uma música de 15 anos atrás, ver um clipe antigo ou reviver uma entrevista antiga de qualquer artista, basta acessar ou youtube, o google, ou as redes sociais do artistas.
As gravadoras perceberam isso e faturam alto com portfólios quase infinitos de seus artistas e, por isso, como tendência mundial, usam o lançamento de um novo álbum como gancho para reaquecer o consumo de hits e álbuns antigos ou, no caminho inverso, apresentam novos álbuns a fãs antigos, o que amplia exponencialmente a possibilidade das vendas, mesclando novos e antigos fãs.
Em março deste ano, no SXSW, em Austin, acompanhei o painel “The Future of Marketing The Past”, com Andrew Hirst, fundador da Modern English Digital (agência digital que atende “marcas” como Beatles, Foo Fighters, Mariah Carey) e Meredith Gardner, VP da Maverick (empresa que cuida da estratégia digital de Madonna, U2 e Britney Spears). Ambos afirmaram que esta é uma estratégia que estão adotando lá fora e que aqui vem ganhando força também (não apenas Sandy e Junior voltaram, mas também Rouge e AMIGOS, repararam?).
Desperte o desejo
“Serão 11 shows e ponto”. “Não vai ter ano que vem”. “Não sabemos se terá DVD”. “Não vai ter outro retorno lá pra frente”… Todas estas afirmações dos artistas deixaram os fãs desesperados para conseguirem ingressos. Eles, que já “perderam” o tempo da adolescência que passou, não quiseram perder esta única oportunidade de reviver a experiência daquele tempo.
É a lei da oferta e da demanda atrelada a uma paixão profunda pela marca. Não tinha como dar errado.
Utilize um plano de mídia 360o
O anúncio do lançamento do projeto aconteceu nas redes sociais dos artistas. Mas virou real mesmo quando eles oficializaram em um grande programa da TV aberta. A partir de então, passaram a participar de diversos programas de TV, dar entrevistas a portais, jornais e revistas, criaram novamente uma conta para a dupla no Instagram, realizaram experiências presenciais de marca, com uma exposição itinerante em vários shoppings do país etc.
Não usaram apenas o digital, apenas a TV aberta ou apenas experiência de marca. Fizeram um bom e muito competente plano de mídia multiplataforma.
Faça grandes parcerias de co-branding
Embora não sejam revelados números de investimento e faturamento, estima-se que o projeto registre lucros extraordinários. No entanto, o risco foi dividido com marcas que investiram no projeto, arriscando-se, caso não fosse tão positivo e colhendo resultados excelentes, em caso de sucesso.
A Bauducco, uma das patrocinadoras, sorteou ingressos e prêmios em uma promoção inspirada na letra de “Era Uma Vez”, famoso sucesso da dupla, que serviu também como gancho para contar a história da própria marca.
A Volkswagen promoveu o T-Cross como “carro oficial da turnê”. Aliás, presenciei pessoas pegando chuva na fila, em um show, para entrar no carro, gravar um vídeo cantando uma música da dupla dentro dele e compartilhar em suas redes sociais. Quanto vale isso para uma marca? Certamente muito mais do que investiram.
Já a Natura fez uma releitura da música “Quando você passa” (Turu turu) para lançar uma nova fragrância de dia dos namorados, em uma ação atrelada aos perfis de Instagram tanto dos cantores quanto de seus cônjuges.
E o que dizer dos cartões Elo? Muita gente passou a conhecer a bandeira após o início da venda dos ingressos, pois o cartão trouxe prioridade na fila de compra.
Por ações bem amarradas como estas é que imagino que, ao contrário do que foi dito pelos artistas, o projeto “Nossa História” foi elaborado com muitos meses de antecedência. Nenhuma destas marcas patrocinadoras compra um projeto deste tamanho de forma impulsiva. Tampouco se produz um perfume da noite para o dia ou se desenvolvem promoções, filmes publicitários e outras ações atreladas a uma turnê sem informações detalhadas do projeto que se está comprando.
No entanto, para os fãs, ficou-se a impressão de que “em um belo dia os irmãos acordaram decididos a fazer uma turnê de despedida e aí, pronto: aconteceu”. Não foi bem assim, mas, mais uma vez, a magia da marca se fez presente para não se estragar o encanto.
O storytelling perfeito
A história da carreira da dupla, por si só, já é um excelente storytelling para a marca: duas crianças perceberam cedo seu talento, pediram a seus pais para exercerem a vontade de estar nos palcos, tornaram-se adolescentes, jovens, adultos e pais, decidiram seguir caminhos separados, guiados pela individualidade de cada um e, por fim, depois de 12 anos, retornaram, como bons irmãos que são, para matar as saudades daquele tempo…
Soma-se aí a “redenção do herói”, arquétipo que podemos atribuir a “Junior” que, por muitas vezes, colocado à margem e julgado injustamente como sendo “a sombra” da irmã, tem, neste retorno, a oportunidade de brilhar também sozinho à frente de plateias gigantes, tocando brilhantemente violão, guitarra e bateria.
Não há, entre os que presenciaram os shows, quem não perceba e se comova com este momento de “redenção”.
Tenha uma marca consistente e presente em todos os pontos de contato
A marca “Sandy e Junior” sempre teve personalidade. Os artistas sempre foram muito fieis à imagem que venderam a seu público desde sua infância. E o produto turnê “Nossa História” também teve um excelente cuidado com sua marca. Tudo o que se refere ao show traz o símbolo dos triângulos, que veio substituir o “&” comercial que existia no nome da dupla: dos materiais de divulgação do show, ao aplicativo da turnê; do cenário do palco, aos souvenirs; Do boné vendido ao público à jaqueta do figurino.
O triângulo usado é um símbolo grego que significa “irmãos” e, de acordo com Sandy, simboliza também que, independente de uma dupla, os dois serão sempre irmãos (tá aí mais um ponto para o storytelling).
Entregue além da expectativa
O show surpreendeu com uma super produção, balé de primeira linha, luz, som, tecnologia de ponta, intervenções inteligentes no vídeo relembrando cenas do passado dos artistas, genialidade na forma de relembrar o período do seriado dos irmãos na TV Globo (simulando uma conversa de WhatsApp entre os personagens) e até mesmo com interação do público via APP.
Comprometimento e suor
Se tem algo de que não se pode negar é que a dupla trabalhou e se esforçou muito em todo o projeto. Mostraram-se incansáveis em todos os momentos: na elaboração, planejamento, produção e ensaios. Atuaram no show como artistas completos: cantores, instrumentistas e dançarinos. E atenderam brilhantemente a fãs e imprensa, mantendo um discurso tão afinado quanto suas próprias vozes.
Por estes pontos citados, afirmo que paixão (turu turu) sem planejamento não funciona (sendo o contrário também verdadeiro) e, se tem uma coisa que Sandy e Junior nos mostraram neste projeto é que o que funciona é o conjunto da obra, literalmente.