Adoráveis Mulheres volta às telas se revelando um grande libelo feminista do Século 19

Publicado em 9 jan 2020, às 00h00.

Cotação: ★★★★½

Foi só transformar a história de sua vida em família, especialmente a união e as diferenças de personalidade entre ela e suas outras três jovens irmãs, que a abolicionista Louisa May Alcott transformou sua obra Little Women em um dos grandes clássicos da literatura norte-americana. Passados quase duzentos anos de sua primeira publicação (cujo título em português virou Mulherzinhas), eis que a obra ainda exerce um grande fascínio nas pessoas em todo o planeta. O que explica – junto com sua inexorável e perene atualidade – a realização de diversas adaptações da história para o teatro, a televisão, o cinema e até mesmo para a ópera.

Nesta quinta-feira estreia em todo o país a sétima empreitada cinematográfica, na esteira da temporada de premiações de Hollywood, agora sob o nome de Adoráveis Mulheres. No elenco principal, uma série de nomes em ascensão na indústria nesta última década: Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen e Timothée Chalamet. Para reforçar a escalação certeira, coadjuvantes gloriosas como Laura Dern e Meryl Streep. Assinando o roteiro e direção, outro jovem nome de peso: Greta Gerwig.

O nome de Greta surge como o ponto-chave para se entender melhor a atual adaptação. Respeitando a história original das quatro irmãs March – que enfrentam os tempos difíceis da Guerra da Secessão norte-americana com sua juventude vivaz e os estimulantes sonhos conectados juntos ao talento de cada uma para uma determinada área das artes (Jo escreve livros e peças, Meg é atriz, Amy pinta e Beth toca piano) – Gerwig encontra uma pequena brecha para fazer brilhar sua ascendente carreira de roteirista e diretora, centrada em importantes questões do cotidiano feminino. Aos poucos e de forma sempre delicada, ela vai construindo a teia de sentimentos, paixões, frustrações e expectativas de cada uma das jovens irmãs enquanto desenvolve as suas relações com o mundo ao redor – a sempre inspiradora mãe, a tia solteirona amarga, o divertido vizinho bon vivant Laurie e seu rico avô, os jovens galãs pretês. Através de recursos técnicos proporcionados pela bela fotografia, o caprichadíssimo figurino de época e a refinada trilha sonora de Alexandre Desplat (nome recorrente nas indicações anuais para o Oscar da categoria), a roteirista e diretora explora o grande poder de interpretação de seu elenco e instiga o público com pequenos acepipes visuais na tela.

Depois de pouco mais de duas horas de projeção, o espectador sai da sala de projeção deliciado com a experiência de mais uma adaptação cinematográfica de Little Women e a certeza de que a obra que acabou de ver não é apenas mero produto de entretenimento promovido por uma indústria que vive de fagocitar constantemente as mesmas histórias bem-sucedidas de sempre. Por meio do talento de Greta, este novo Adoráveis Mulheres soa como um grande libelo feminista de meados do Século 19. Diálogos bem tramados colocam Beth, Amy, Meg e especialmente a altiva e independente Jo (Saoirse Rionan, em mais uma atuação que deve render-lhe indicação ao Oscar) fazem uma estreita conexão temporal entre os dias de hoje e a década de 1860 em uma cidade do interior dos EUA. Pequenas alfinetadas ao patriarcado (“moral não vende livros”, “a protagonista tem sempre de casar ou morrer no final”, as ideias de que o futuro de uma jovem mulher deve ser sempre decidido de acordo com o que ela deseja e não a sociedade espera ou determina e a necessidade de casamento ou constituição de uma família nunca foi tão importante assim mesmo naquela época) mostram-se necessárias e divertem enquanto Ronan (no papel de Jo, espécie de alter-ego da autora da história) segue brilhando, costurando os personagens e situações ao redor e fechando com maestria a trama em seu encerramento.

Talvez com outro roteiro e outros atores sob outra direção, o filme tivesse rumos diferentes e tornado algo desnecessário. Este Adoráveis Mulheres, entretanto, firma-se como uma adorável história ainda contemporânea sobre quatro jovens demasiadamente adoráveis.

Adoráveis Mulheres (Little Women, EUA, 2019). Direção e roteiro: Greta Gerwig. Roteiro: Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen, Laura Dern, Timothée Chalamet, Meryl Streep, Louis Garrel. Sony Picutres. 135 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 9 de janeiro.

Mostrar próximo post
Carregando