Bacurau é o faroeste caboclo que vai marcar o cinema nacional do século 21

Publicado em 29 ago 2019, às 00h00.

Cotação: ★★★★★

Bacurau, ave de hábitos noturnos, porte médio e plumagem predominantemente nas tonalidades marrom e cinza. São excelentes voadores e bastante ágeis para caçar insetos em solo ou no ar. Bacurau, pequeno povoado situado no oeste pernambucano, no sertão nordestino, que um dia já pode ter o privilégio de ser achado nos mapas. Uma placa de trânsito colocada nos arredores da localidade manda o aviso aos forasteiros que se aproximam: se for, vá na paz. Bacurau, longa-metragem dos diretores e roteiristas Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, ganhador de três prêmios em festivais internacionais de cinema em 2019 (Cannes, Munich e Lima), que acaba de chegar aos cinemas brasileiros e com sessões previstas para ser finalizadas por longos aplausos de seus espectadores (como aconteceu em diversas premières realizadas nos últimos dias, inclusive em Curitiba, no Cine Passeio – informações sobre horários e ingressos você tem aqui).

Assim como a palavra que lhe dá o título, o filme leva o espectador a uma imersão pela multidisciplinaridade de gêneros e vertentes (é ação, é western, é drama, é comédia, é suspense, é horror, é realismo, é ficção científica, é b-movie, é trash, é Cinema Novo) e diversos significados no decorrer dos seus 132 minutos. Para começar, mesmo com Sonia Braga e o alemão Udo Kier encabeçando o elenco, não existe um protagonista de fato. A atenção se divide para vários personagens, o que torna Bacurau – seja os nativos ou seus invasores – uma célula única, indivisível, na qual união e afeto fazem toda a diferença no final das contas.

Bacurau, no fundo, é uma representação alegórica do Brasil. Suas várias personalidades, temperamentos, sexualidades, estimulantes, paradoxos e tecnologias de ontem e hoje. Principalmente no fato de estar cansado de ser sempre sabotado e tratado com desprezo pela ótica colonialista, seja de agentes externos ou mesmo de intrusos internos movidos pela ganância e a mais completa falta de sensibilidade e empatia. É a opressão do poder e pelo poder. É o povo pacífico e acolhedor mas que está sempre pronto para agir quando turbinado por algum elemento extra. É o sujeito aficionado por sinal de wi-fie que não para de usar o seu celular. É a manutenção da tradição de um passado de dor e glórias do cangaceiro e do jagunço (Lampião, Canudos, Deus e o Diabo na Terra do Sol). É o fato de não ter vergonha nenhuma de ser o que é. É a veia queerpulsando sem parar e reforçando a alegria e a coragem e a intensidade constante. É a insurgência e a submissão, a insurreição e o messianismo. É o deboche e o sofrimento. É também o preconceito. Tudo isso junto e misturado.

Embalado por uma trilha sonora particular e que faz uso ilustrativo de canções dos anos 1960 (“Não Identificado”, de Gal Costa; “Réquiem Para Matraga”, de Geraldo Vandré; “Suspicious Minds”, de Elvis Presley) para projetar um futuro não muito distante à sua história, Bacurau é um épico que aterrissa nas salas de todo o país para coroar o excelente momento vivido pelo cinema nacional. Pelas próximas décadas, será lembrado como o grande faroeste caboclo do século 21.

Bacurau(Brasil/França, 2019). Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Com Sonia Braga, Udo Kier, Barbara Colen, Thomas Aquino, Silvero Pereira, Karine Teles, Antonio Saboia, Karine Teles, Wilson Rabelo, Carlos Francisco, Lia de Itamaracá, Chris Doubek, Alli Willow, Jonny Mars, Julia Marie Peterson, Brian Townes, James Turpin. 132 minutos. Vitrine Filmes. Estreia nos cinemas brasileiros: 29 de agosto de 2019.