Drummond, um espetáculo belo e aquém do poeta

A história do grupo mineiro Ponto de Partida é um exemplo: interiorano, de Barbacena, 35 anos montando obras comprometidas com a Literatura brasileira (Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros, Jorge Amado, Adélia Prado, Bartolomeu Campos de Queirós, além de compositores como Milton Nascimento, Chico Buarque e Pablo Bertola. Segundo a revista Época, o grupo monta seus espetáculos após extensa e minuciosa pesquisa, a partir, especialmente, de investigação de peculiaridades regionais. E o compositor Fernando Brant afirma que o grupo é formado por um “bando de gente comprometida com a vida, a arte e a humanidade”.

Tudo isso se vê no espetáculo Drummond. E um grupo humilde e caloroso, que vem receber o público tanto à entrada quanto à saída do espetáculo. Produção simples e muito bem cuidada, resultado provável da harmonia de anos e que permite ao Ponto de Partida ter um repertório de 8 montagens ao mesmo tempo, a peça coloca a serviço da poesia o canto, as coreografias e todos os elementos técnicos teatrais convencionais que o capacitam a trazer a Curitiba, ainda neste semestre, o esperado musical “Presente de Vó”.

A diretora Regina Bértola, subindo ao palco ao final da apresentação, após tecer um pequeno histórico do grupo e elogiar a identidade peculiar curitibana, reafirmou o que já dito por Paulo Freire: “para ser universal, canta tua aldeia”. A  boa forma de se fazer arte verdadeira é a partir da nossa verdade, do nosso chão – foi o que entendi da sua mensagem – ou já me atravessei e coloquei o que também penso. Parabéns a esse enorme grupo, que tem aquela feição simpática do bom teatro amador da década de 1980.

Drummond, infelizmente está longe de ser esteticamente criativo; Com boas interpretações e bom material técnico – como já disse “muito bem realizado” – provavelmente corresponde ao que o grupo dele deseja: ser uma homenagem carinhosa ao grande poeta e menino/homem. Mas poderia – e há competência para isso – ter uma assinatura mais artística. Além disso, a palavra do poeta fica difusa em jograis e em falas repartidas entre atores e atrizes. E, algumas vezes, declarações do menino/homem (não poesia ou prosa do ator, portanto, nem universal) são proferidas por mulheres, soando estranho.

Entendo que a obra é uma apropriação personal do Ponto de Partida (o espetáculo chama-se Drummond  mais por homenagear/abordar o poeta) e, assim, consegue nos inserir em parte de sua temática: a terra natal, a infância, os amigos, o amor, a velhice e proximidade da morte. No entanto, incorre em acentuado romantismo: o espetáculo me dá a sensação de contar a história de um menino frágil e tímido que se tornou um homem também frágil e tímido, amargurado perante o mundo. Mas, vejamos: Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação (in Confidência de Itabirano)

Claro, toda apropriação de uma obra  a reduz ao foco escolhido. Mas, a partir dele, pode ampliar.  Mas, aqui, a visão do espetáculo reduz a força do poeta perante o mundo, a forma como este aborda a fragilidade humana e a existência e sua crítica social. Também reduz ao imediato e omite as metáforas contidas na tal “pedra no meio do caminho”, na “flor feia que nasce em meio ao concreto de certa cidade” e no “mundo, vasto mundo, se eu me chama-se Raimundo seria uma rima, e não uma solução”.

Drummond-espetáculo caminha pelo lírico e pelo subjetivo, mas Drummond-poeta tendia muito mais à objetividade e a concretude. E o amor, em sua obra,, mais se caracteriza por uma amarga forma de conhecimento dos outros e de si próprio E as palavras diretas, muitas vezes secas, são o que – pelo menos para mim – geram em nós sentimentos dos quais não podemos escapar.

Não, meu coração não é maior que o mundo. / É muito menor./Nele não cabem nem as minhas dores. /Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias: preciso de todos. (in Mundo Grande)

Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, não cantaremos o ódio, porque este não existe,apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte. Depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas (in Congresso Internacional do Medo)

Sou apenas um homem. Um homem pequenino à beira de um rio. Vejo as águas que passam e não as compreendo […] A mão escreveu tanto, e não sabe contar! A boca também não sabe. Os olhos sabem – e calam-se. […] Lembro de alguns homens que me acompanharam e hoje não me acompanham mais. Inútil chamá-los: o vento, as doenças, o simples tempo, dispersaram esses velhos amigos em pequenos cemitérios do inteior, por trás de cordilheiras ou dentro do mar; Eles me ajudariam, América, neste momento de tímida conversa de amor.(trechos de América)

Drummond foi, antes de tudo, um forte.

31 mar 2015, às 00h00.
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