Os “encontros” diários de um casal que não se conhece

Cotação: ★★★½

Fazendo uma primeira leitura qualquer um pode dizer que Encontros, longa-metragem francês que estreia nesta quinta-feira nos cinemas brasileiros, é uma comédia romântica. Afinal, enfoca um casal entrando na casa nos trinta anos de idade que passa diariamente por um monte de perrengues no cotidiano de Paris. Eles não se conhecem, apesar de quase se esbarrarem todo dia nas ruas e em estabelecimentos comerciais que frequentam. Moram lado a lado: são vizinhos de parede, no mesmo andar, mas em prédios diferentes. Enquanto vivem de maneira semelhante (uma vida solitária no coração, problemas nos empregos e dificuldades com a família), o espectador acaba torcendo para os dois enfim se cruzarem e descobrirem a existência do outro. Resumindo, a torcida para um final feliz para ambos é inevitável

Só que o filme do diretor e corroteirista Cédric Klapisch tem camadas mais profundas do que o fato de ser simplesmente uma comédia romântica. Analisando com mais atenção, porém, Encontros é um excelente drama urbano, que retrata o massacre que é o dia a dia de uma megalópole mundial. Rémy Pelletier (François Civil) e Mélanie Brunet (Ana Girardot) enfrentam a insegurança, a falta de confiança em si próprio, os infortúnios, a solidão e, pior, os grandes males do século 21 como a depressão e a ansiedade. Gastam horas em sessões de terapia para tentarem se conhecer melhor e lidar com as suas fraquezas. Superam a incompreensão das pessoas mais próximas porque tem de ser assim, um dia após o outro, sem haver outra alternativa. E ainda não têm com quem dividir os momentos felizes e tristes, as frustrações e os objetivos de vida.

Enquanto isso, o roteiro de Klapisch e Santiago Amigorena vai propondo jogos secretos entre os protagonistas, entre suas semelhanças e oposições. Ele tem insônia, ela dorme demais. Ele veio do interior para a cidade grande, ela tem parentes no campo. Ele não consegue se comunicar direito com outros, ela tem facilidade demais para se abrir e expressar o que acha e sente. Ele é apático, ela é elétrica. Ele adota um gato e o perde, ela acha o gato perdido nas redondezas.

Assim vão se dando os “encontros” de Rémy e Mélanie durante a narrativa, mesmo sem que os dois interajam fisicamente. Em ritmo lento e silencioso, ao contrário do barulho dos trens que passam diante das pequenas sacadas dos apartamentos de ambos e da intensidade da opressão imposta pela vida louca e corrida na capital francesa. No final, pouco importa se um vai conseguir ou não notar que o outro existe e está ali, com perfeição e prontidão para complementar o que lhe falta – tanto que o título original, traduzido do francês, significa a expressão “dois de mim”.

A viagem de acompanhar um casal que não existe de fato é deliciosa. As agruras de perceber que muitas questões que os dois passam também estão presentes ali na sua vida não só fazem você sofrer junto com eles como ainda se tornam os melhores instrumentos de empatia para mergulhar junto com os personagens na história. Este que é o grande trunfo do filme.

Encontros (Deux Moi, França, 2019). Direção: Cédric Klapisch. Roteiro: Santiago Amigorena e Cédric Klapisch. Com François Civil, Ana Girardot, Camille Cottin, François Berléand, Simon Abkarian, Eye Haïdara, Rebecca Marder, Pierre Niney, Paul Hamy, Quentin Faure. Imovision. 110 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 3 de outubro.

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