Grupo teatral discute questões sobre a mulher e a violência por ela sofrida
Nesta semana Curitiba recebe hoje um dos mais importantes nomes do teztro brasileiro. Tanto por ser fora-do eixo Rio-São Paulo (locais onde os atores têm mais possibilidade de dialogar com outros gêneros da dramaturgia, já que as principais emissoras de televisão e produtoras de cinema têm sedes por lá), quanto pela longevidade (já são 41 anos de trajetória ininterrupta). Entre os dias 22 (quinta) e 24 (domingo), a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz traz à capital paranaense uma trinca de opções que inclui a oficina Vivência com a Tribo, debate sobre questões de gênero na contemporaneidade teatral nacional e apresentação no Espaço Obragem. A entrada será gratuita e haverá, para deficientes auditivos e visuais, instrumentos de acessibilidade em libras e braile. Mais informações sobre horários e programação destes eventos em cada dia você encontra aqui.
O espetáculo escolhido dentre o repertório atual do grupo não é bem um espetáculo. Evocando os Mortos – Poéticas da Experiência, com concepção e atuação assinadas por Tânia Farias, trata-se de uma desmontagem. Este novo conceito no cenário cultural, que vem sendo proposto pelo Ói Nóis Aqui Traveiz propõe uma linguagem híbrida entre a montagem teatral e a reflexão teórica sobre a obra. Neste caso, Tânia refaz o seu caminho como atriz na criação de personagens emblemáticos na dramaturgia do grupo. Seguindo a linha do teatro ritual e da performance, ela mergulha de volta em quatro mulheres vividas por ela em apresentações entre 1999 e 2011, na tentativa de dissolver os limites entre arte e vida, potencializar reflexão e autoconhecimento e ainda instigar as discussões de gênero ao abordar a violência contra a mulher em suas variantes. Tudo por meio da evocação corporal, que faz surgir e desaperecer as personagens selecionadas e realiza uma espécie de ritual de evocação de seus mortos para a compreensão do que significa fazer teatro nos dias de hoje.
Tânia Farias conversou com o Ric Mais sobre o retorno do Ói Nóis Aqui Traveiz a Curitiba, a desmontagem escolhida para passar pela cidade e suas experiências e vivências em torno da carreira do grupo.
Há quanto tempo você está na Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz e qual o principal desafio de um grupo sobreviver tanto tempo fazendo teatro em nosso país?
Estou há 25 anos no grupo, mas posso dizer que é difícil destacar um ou outro desafio neste tempo que a gente vem vivendo. O momento atual é tão complexo neste país, estamos dentro do olho do furacão. O que dá para fazer é uma análise do momento presente, quando tudo que é eventual e novidade parece ser mais importante para as pessoas. Enquanto isso a gente vem tentando se firmar pela permanência, pela consistência, pelo aprofundamento da pesquisa. Então só o fato do Ói Nóis existir já é um desafio, exatamente por ir na contramão desta lógica toda. Tem também o fato de privilegiar a natureza da construção coletiva e o trabalho em grupo em tempos em que a ideia da genialidade individual. Esta sociedade tal qual ela está, capitalista e individualista, não nos interessa. Aqui o eu junto com o outro é muito melhor do que o eu sozinho. Sem falar que o viés político sempre foi muito grande no Ói Nóis. Sempre batemos forte em questões importantes tanto para o homem quanto para a mulher. Nosso jeito de repensar o mundo segue a linha do Brecht, que sempre se perguntava se só havia um jeito para as coisas ou se poderia existir sempre alguma outra maneira. Então, a gente fez poucas vezes trabalhos pequenos. É quase sempre muita gente envolvida, em trabalhos grandes, com elementos plásticos gigantes. Nunca primamos pela facilidade, mas sim pela sinceridade.
Como surgiu a ideia para a desmontagem Evocando os Mortos – Poéticas da Experiência?
Tudo começou em 2013. Como atriz e pesquisadora, sempre reconheci a dimensão pedagógica da demonstração técnica de um trabalho mas nunca havia despertado a vontade de fazer isso. Até que dei um tempo no Ói Nóis para ter um bebê. Estava em um momento em que tinha a necessidade de parar para refletir sobre mim e minha vida porque até então eu nunca havia parado justamente em nome do teatro. A desmontagem é um conceito técnico bastante aberto, onde cada artista se propõe a fazer a sua desmontagem como um manifesto estético e politico seu. Então pensei em voltar os olhos para as costas e redescobrir a minha trajetória de artista.
Você pode falar algo as personagens que você resgata?
São quatro, todas ligadas pela questão de gênero e costurados com as histórias do Ói Nóis em cada momento. Esta retomada foi um processo revelador para mim. Primeiro porque cada trabalho foi uma entrega coletiva muito grande. No mínimo foram dois anos de preparação. Cada personagem levou coisas que tinham muito a ver comigo. Então quanto de Tânia era carregado cada material? A Ofélia, que é justamente a mais antiga, lá de 1999, da montagem Hamlet Máquina, é a mais emblemática, sobretudo pelo meu contexto pessoal da época. Ela abriu caminhos, revelou questões fundamentais para tudo o que experimentei.
O que tem em comum a todas é questão do debate a respeito a violência a mulher…
Discutir algo de maneira mais profunda é porque você está comprometido com a experiência técnica e formal, o que eu quero dizer e como vou dizer. Isso pode, sim, plantar, uma semente de dúvida para as pessoas repensarem as atitudes cotidianas e o seu lugar no mundo dentro desta cultura da violência, com tanta discriminação e preconceito arraigados. O caminhar juntos do teatro não é só com a beleza estética, que também é importante claro. Mas a desmontagem fica no meio do caminho entre o espetáculo-aura e a demonstração técnica. É o meu manifesto pessoal, o que eu pessoalmente, como mulher e como cidadã, é estabelecer através da arte aquilo que nos importa e nos interessa.