Cotação: ★★★½
A suposta existência da criatura conhecida em português como Pé Grande sempre alimentou muitos desenhos animados ao longo de todas essas décadas. Afinal, não basta haver uma única lenda no mundo. O que existe são duas. Dizem que nas florestas do extremo noroeste americano, ali pela fronteira do estado de Washington com a Columbia Britânica em território canadense, esconde-se da humanidade o Sasquatch. Já a região do Himalaia, na Ásia, seria o habitat natural do Yeti, que também ganhou a alcunha de Abominável Homem das Neves. O governo do Nepal já declarou inclusive que o Yeti é real, embora nunca qualquer comprovação oficial tenha surgido de fato.
Realidade ou trunfo de governos locais para garantir a fama e o turismo das regiões o que importa é que este mitológico, gigantesco e peludo ser que seria uma espécie de elo perdido, o fato é que o personagem volta e meia é resgatado por algum roteirista para prosseguir no fértil imaginário humano através do mundo infantil. Coincidência ou não, é justamente o tal do Pé Grande o protagonista de duas animações lançadas no cinema quase ao mesmo tempo.
Semanas depois da concorrente Dreamworks levar às telas o longa-metragem O Abominável, agora é a vez da Laika apostar suas fichas em Missing Link, agora puxando a brasa para o lado do Sasquatch. De propriedade do presidente da Nike e situado na cidade norte-americana de Portland (no estado do Oregon, logo abaixo de Washington), o estúdio especializado na técnica do stop-motion vem fazendo uma bela carreira nos últimos anos, com títulos cultuados como Kubo e as Duas Cordas, ParaNorman e Coraline. Para celebrar seus dez anos no mercado de longas-metragens, vem com um quinto título bem interessante, de novo abolindo a praga musical que parece ter tomado conta dos lançamentos infantis em animação nos cinemas e sem menosprezar a inteligência do público-alvo. O que quer dizer que o roteiro é bastante coerente, dinâmico e sem espaço para personagens supérfluos ou projetados para licenciamento de brinquedos, roupas e outros produtos. Isto é, desenho animado como nos velhos tempos, com a verve vintage, predominância do humor e construção de situações compatíveis com a lógica do mundo adulto, o que torna a história mais rica e interessante, mais propensa a alguns absurdos e sem muletas óbvias para agradar tão somente ao público infantil. Link Perdido ainda apresenta um protagonista cercado por dois coadjuvantes com expressivas falhas de caráter e, consequentemente uma trama que não procura trazer lições ao espectador.
A versão falada em português também é algo diferente por seguir contra a tendência atual dos longas em animação, resgatando a alma vintage do formato no Brasil. Aqui os dubladores são competentes atores profissionais do ramo que servem aos personagens e não celebridades do momento da televisão ou da internet. Por isso, vale a pena até mesmo arriscar uma sessão dublada se você não está no papel de acompanhante de crianças. Afinal, a Laika traz de volta aos cinemas uma máxima que há muito anda meio perdido por questões mercadológicas: desenho animado é coisa para adulto e um ótimo instrumento para ensinar através do entretenimento, coisas de adulto para crianças.
Link Perdido (Missing Link, EUA/China, 2019). Direção e roteiro: Chris Butler. Dublagem original: Zach Galifiankis, Hugh Jackman, Zoe Saldaña, Stephen Fry, Timothy Oliphant, Emma Thompson. Buena Vista/Disney. 93 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 7 de novembro.