Amor-próprio, para Lizzo, é uma prática, um processo – não uma coisa absoluta. E a jornada pode ser longa, avisa. “Passei centenas de anos me odiando: minha personalidade, meu corpo, o som da minha voz, meu cabelo, meu dente”, cita a cantora, que venceu três Grammys no último mês. Fora dos padrões de peso que dominam a indústria das ‘divas’, a americana de 31 anos virou uma espécie de conselheira para seus milhões de ouvintes.
No Rio para um show restrito a convidados no YouTube Space, Lizzo se mostrou confortável na rodada de curtas entrevistas que concedeu à imprensa, num hotel de luxo na zona oeste da cidade. Cantarolou para o jornal O Estado de S. Paulo, por exemplo, o pouco que sabe sobre música brasileira: Vai Malandra, de Anitta, e uma versão inusitada de Garota de Ipanema – em vez de girl, a garota virou that bitch.
Apesar de ter participado de um disco ao qual Pabllo Vittar também emprestou sua voz – Charli, da Charli XCX -, a americana assume que não sabe muito sobre o trabalho da brasileira. Nem quando fará um show aberto ao público no País. O de ontem, que foi gravado e vai estar disponível pelo YouTube, contou com a presença de apenas 300 convidados.
A fim de buscar o beneplácito de Lizzo, o repórter levou à cantora uma definição bem específica sobre a personalidade dela – explícita nas letras e na postura – para ver se colava. Ela seria, segundo uma conhecida, “aquela garota que você encontra na fila do banheiro de uma festa e que, mesmo sem te conhecer, dá ótimos conselhos e salva sua vida”, explica, antes de receber o aval assertivo da estrela: “Esta sou eu”.
Esse caráter motivacional está presente em letras como a de Good as Hell. Com ela, aqui, não tem papo furado: se ele não te ama mais, diz, “just walk your fine ass out the door” – ou, numa tradução para o bom português, “mete o pé”.
“Eu acho que as pessoas ouvem minhas músicas e tiram conselhos delas. Mas também tem pessoas que ouvem e apenas pensam: Eu quero dançar”, comenta a cantora, buscando não reduzir sua obra a uma mera autoajuda.
Cuz I Love You, o disco lançado no ano passado e que a catapultou ao sucesso, realmente é mais do que isso. Insere o rap de Lizzo num R&B dançante e ajuda a jogar luz sobre a capacidade musical da artista, que é formada em música clássica pela Universidade de Houston, no Texas, e tem como especialidade a flauta. O instrumento entrou na sua vida na adolescência – e, hoje, ela o toca enquanto desce até o chão.
Das oito indicações para o Grammy, levou três: melhor performance solo pop, com Truth Hurts; melhor performance R&B tradicional, com Jerome; e melhor álbum urbano contemporâneo.
Hoje pode parecer fácil amar a si mesma. Lizzo consegue, contudo, analisar com detalhes as etapas do longo processo pelo qual passou antes disso. “Quando você quer se amar, mas continua sem amar, é a parte mais atordoante. Porque muitas pessoas permanecem presas nessa etapa, até que chega uma hora em que você assume que é preciso cuidar das coisas que você odeia em si mesma.”
O corpo e a música de Lizzo são naturalmente políticos. No entanto, quando o papo envereda para o lado político-partidário, a cantora prefere não cravar quem é o seu candidato favorito entre os que buscam a vaga do Partido Democrata nas eleições dos Estados Unidos. Antes de responder, solta um longo suspiro ao lembrar da confusão que marcou as primárias em Iowa.
“Estou mais preocupada com o mundo agora. Sinto que o que está acontecendo nos Estados Unidos faz parte de um problema global, que vai desde a natureza até a natureza humana. Percebo que todos estamos tendo as mesmas crises. Essa é a minha principal preocupação.”
Lizzo ouviu falar no “Trump tropical”, como classifica o presidente Jair Bolsonaro, mas diz não saber muito sobre ele. De volta ao cenário norte-americano, comenta que gostaria de ver em mais candidatos essas preocupações que a afligem. “Talvez eu devesse concorrer na próxima vez”, divaga. O rapper e wannabe presidente Kanye West, apoiador de Trump, que se cuide.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.