Madonna faz do álbum Madame X a oportunidade para reinventar a carreira
Cotação: ★★★½
Britney Spears, Lady Gaga, Katy Perry, Rihanna, Beyoncé, Adele e muitas outras cantoras pop de sucesso nas duas últimas décadas têm uma coisa em comum: todas devem a sua carreira ao pioneirismo de Madonna. Não fosse a loira americana, lá na década inicial da MTV (os anos 1980) amplificar a relevância da imagem e dar a ela a mesma importância do som para a construção da carreira de um artista de primeira grandeza na música pop, nenhuma delas teria alcançado tudo o que já alcançou até agora.
Só que o tempo muda, a juventude acaba, o corpo já não aguenta mais como outrora. E o mercado da música também mudou. Forma de percepção, consumo, propagação. Madonna sabe bem de tudo isso. Por isso que, agora, com 60 anos recém-completados, surpreende os fãs lançando um álbum que apresenta uma nova Madonna. Ou melhor: Madame X, a persona criada após a mudança para Lisboa e que dá título ao novo trabalho eem muito se confunde com ela própria nos dias de hoje.
Madame X está embevecida pela nova vida levada há dois anos na capital portuguesa. Descobriu novos ritmos, timbres, sonoridades. Descobriu também o encanto de um novo idioma. Entrou em contato com músicos locais e ainda expandiu seus ouvidos para outras terras lusófonas como Brasil (“Faz Gostosa”, em dueto com Anitta) e Cabo Verde (“Batuka”, gravado com a Orquestra Batuqueiras). Ou ainda estende a viagem sonora a latinidades tão festivas quanto, como nos flertes com o reggaetondo colombiano Maluma em “Bitch I’m Loca” e a poderosa faixa de abertura “Medellín”, dona de melodia que cola no ouvido de primeira.
A madame ainda não perde um convite para a dança e a festa, mas na verdade mostra-se muito mais preocupada hoje em provocar em suas letras reflexões a respeito dos caminhos da humanidade. Ainda traz um pouco daquela veia transgressora que aposta na derrubada da tabus, sobretudo os ligados a questões sexuais e comportamentais. Mas tira o foco de si para perceber o que há errado ao redor e que afeta a todo mundo ao mesmo tempo. É algo com uma carga bem maior de politização. “I Rise” cutuca na ferida aberta das tragédias provocadas pelo armamento da população. “God Control” e “Extreme Occident” criticam abertamente o fundamentalismo político/religioso. “Dark Ballet” também o faz, mas arriscando-se a ir além: a letra que fala sobre as convicções e crenças imutáveis de Joana D’ Arc, resgata frases famosas ditas pela francesa em uma espécie de suíte progressiva, que pula das batidas eletrônicas contemporâneas ao cravo barroco. Em “Killers Who Are Partying”, Madame X faz questão de ressaltar que estará sempre do lado do time (ou representação social) mais fraco no jogo mundial do poder. Sejam índigenas, gays, mulheres, pobres, crianças, africanos, judeus ou islâmicos.
Claro que Madonna, antenada do jeito que sempre foi, usa e abusa de artifícios que dão as cartas hoje em dia na música pop. Usa descaradamente o Auto-Tune sem precisar e faz disso um traço estilístico. Além de Maluma e Anitta, chama os rappersnorte-americanos (Quavo e Swae Lee) para fazer duetos. Cerca-se de um experiente time de produtores musicais cujas especializações vão do funk ao carioca ao trap rap– para se aproximar de novos e jovens fãs e começar, assim, mais um processo de renovação de seu público. E desta vez falando de temáticas muito sérias diretamente a ele.
Com quinze faixas em sua edição deluxede vários formatos, Madame Xcelebra a reinvenção de Madonna como artista diante de um mundo novo, onde a volatilidade e a efemeridade continuarão dando as cartas mesmo que as pessoas busquem alguma segurança na estabilidade. Na sociedade e na música pop. É para isso que ela está aqui agora. Aos 60 anos de idade, muito mais reflexiva a respeito da vida do que meramente uma envolventeentertainer.
Madame X. Artista: Madonna. Produção: Madonna, Mirwäis, Mike Dean, Diplo e outros. Faixas: “Medellín”, “Dark Ballet”, “God Control”, “Future”, “Batuka”, “Killers Who Are Partying”, “Crave”, “Crazy”, “Come Alive”, “Extreme Occident”, “Faz Gostoso”, “Bitch I’m Loca”, “I Don’t Search I Find”, “Looking For Mercy” e “I Rise”. Tempo total: 56:01. Gravadora: Live Nation/Interscope. Lançamento: 14 de junho de 2019.