Cotação: ★★★
Clint Eastwood sempre foi um diretor deveras compulsivo. Desde quando o ator passou a se dividir entre a frente e a parte de trás das câmeras, lá em 1971, ele nunca dirige menos do que sete filmes por década, chegando até a nove. O que contabiliza quase uma produção cinematográfica por temporada em Hollywood. Só que nos últimos anos, ele vem exagerando numa marca registrada das histórias que costuma levar para as telas: seus protagonistas, humanos comuns com qualquer outro de nós, enfrentam momentos dramáticos que incluem tentativas de superação e uma certa dose daquele sentimento de heroísmo que é comum à cultura comportamental desenvolvida desde o estabelecimento do ideal do sonho americano, no início do século passado.
Isso talvez explique a razão do sucesso de suas obras mais recentes na direção. Desde que ganhou o Oscar pelo mediano Menina de Ouro, em 2005, cada filme seu que chega aos cinemas arranca um bom falatório da imprensa e um público cativo que garante boas bilheterias fora do mundo dominado por super-heróis, franquias e blockbusters guiados por milionárias campanhas de marketing. Afinal, para Clint o que interessa é o ser humano. O sentimento que o move. As angústias, sofrimentos, desejos, esperanças, tristezas e alegrias dos personagens que acabam se conectando espiritualmente com os espectadores. Quem está sentado na poltrona se identifica com o drama vivido nas telas, de uma ou outra maneira. Tudo bem que muitas vezes o velho Eastwood, como todo ferrenho defensor assumido da política do partido republicano, derrape e acabe tendendo para o lado dos ideais conservadores, machistas, armamentistas e outras características mais da política da direita. Muitas vezes isso não interfere na forma certeira de contar a história.
Como é o caso de seu mais novo longa-metragem. O Caso Richard Jewell remonta a história peculiar de um segurança que trabalhou durante os Jogos Olímpicos de Atlanta, nos Estados Unidos, em 1996. O protagonista que dá nome à obra localizou bananas de dinamite deixadas em uma mochila durante um evento público e gratuito noturno em uma das praças da cidade. O esquadrão antibombas não conseguiu desarmar em tempo o artefato, que explodiu, matou duas pessoas e feriu pouco mais de cem. Só que os números poderiam ter sido bem mais catastróficos se a multidão não começasse a ser evacuada segundos antes.
O que Eastwood mostra no filme é ascensão e queda da imagem pública de Richard Jewell (Paul Walter Hauser) através do comando midiático. A imprensa, aliás, aparece retratada sem muitos escrúpulos, indo na cola de uma jornalista de personalidade igual. Primeiro, Jewell é incensado como herói nacional. De uma hora para a outra os meios de comunicação levantam toda a sua vida pregressa, e o transformam em celebridade e herói de todo país. Tudo mudo quando uma repórter investigativa (Olivia Wilde) que troca prazeres sexuais com fontes ligadas a departamentos da justiça descobre que o mesmo Richard transformou-se no alvo principal da investigação sobre o atentado. Também, de uma hora para outra, a imprensa passa a trata-lo como o vilão de toda a história, alguém que teria plantado o explosivo como o intuito de ganhar notoriedade e virar pessoa pública.
Enquanto o protagonista vive todo um drama de perseguição por parte de investigadores e promotores ligados ao FBI – que chega a afetar bastante a saúde de sua mãe (uma simpática senhora vivida por Judi Dench) e as estratégias de seu advogado (um obstinado profissional de meia idade interpretado por Sam Rockwell) – os questionamentos passados por Eastwood ao espectador vão além da conexão com o gorducho segurança, tão bonachão quanto ingênuo. Jewell diz se identificar sempre com a carreira policial, que quer a todo modo se transformar em um e trabalhar oficialmente como tal, que quer servir e fazer o bem. Mesmo que muitas vezes ele não pense duas vezes em agir com truculência ou questione se os fins justificam os meios.
Aos poucos, vai ficando claro para quem assiste – e também para quem o defende legalmente – que não existe qualquer evidência que possa vir a incriminar o segurança. Entretanto, a promotoria insiste em acusá-lo e plantar provas ilegais contra ele, o que toda a trama ainda mais dramática para Richard e sua mãe, que tem suas vidas viradas ao avesso.
O Caso Richard Jewell é um filme que atira em uma coisa e acerta em outra. No fim da história, o espectador sai do cinema se questionando sobre o poder e a real função da mídia, além dos conluios da mesma com o poder público. Entretanto, com uma coisa Clint Eastwood não poderia contar: que os brasileiros já estivessem tão fartos de vivenciar algo semelhante a tudo isso nos últimos anos por aqui. Diante do que foi explorado pelos grandes veículos nacionais de comunicação, o impacto emocional da trama se torna uma coisa amena para quem está na sala do cinema. Volta e meia algo mostrado na tela soa como um mero déjà-vu, sobretudo no tocante à atuação e a aliança entre justiça e imprensa. Isso é o suficiente para enfraquecer a força dramática deste longa-metragem e, consequentemente, estragar o leitmotiv de cunho emocional desenvolvido durante boa parte dessa história.
O Caso Richard Jewell (Richard Jewell, EUA, 2019). Direção: Clint Eastwood. Roteiro: Billy Ray. Com Paul Walter Hauser, Sam Rockwell, Judi Dench, Olivia Wilde. Warner. 131 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 2 de janeiro.